Quebrando as regras do recanto
Caros amigos,
Esse conto que vos trago, é de um talentoso artista que tem por nome Roberto Monteiro nascido em São Paulo, posteriormente em um movimento contrário de migração mudou para Recife onde se estabeleceu e se graduou em letras. Vindo mais tarde para o Rio de Janeiro, para acrescentar beleza a nossas vidas com sua arte. Este impávido artista é professor, músico, pintor e cronista. Gosta de samba, cerveja e feijoada, não há forma melhor de defini-lo que não seja “O paulista nordestino mais carioca que existe”, ou seja, um retrato vivo do Povo brasileiro. Tenho enorme prazer e orgulho de ser amigo desse sujeito bem como estar trazendo à notoriedade de vocês esse trabalho.
Sem mais delongas, o conto se segue.
Acontece…
Sempre ia buscar Helena no consultório para jantarmos e irmos para casa. Como sempre, mais um dia, os mesmos programas, as mesmas amizades, os mesmos jantares e lugares. Bom. Não havia de quê reclamar absolutamente. Entretanto, gostaria de compartilhar algo curioso que aconteceu há algum tempo, e que veio transformar toda nossa relação.
Eu vinha em uma maratona de horas extras na fábrica por causa de uma encomenda da China, e por pouco mais de um mês eu não pude buscá-la pra jantar, e sempre terminávamos a noite com um breve resumo de nossos dias. Nos dávamos bem, claro. Cinco anos dividindo o mesmo apartamento e as mesmas ideias não poderiam render em relacionamento mais estável.
Um dia, sem que eu esperasse, recebi um telefonema no ramal da fábrica e a secretária do presidente da empresa me chamou para uma reunião particular. Fui, obviamente, e lá sofri abuso sexual da secretária. Exatamente. Ela, ao abrir a porta, me conduziu para a sala do diretor que estava vazia. Lá, ela me abraçou, e começou a distribuir beijos em meu pescoço aspirando à boca. Com isso borrou meu colarinho de batom e me impregnou com seu perfume cítrico doce. Ao chegar em casa, contei à Helena o acontecido e dormimos bem. Desde esse dia ela começou a me tratar com desconfiança, sempre perguntando pela secretária, se ela me procurou, como ia a ação de denúncia (que eu menti sobre ter feito, mas por pertinência administrativa preferi não mover e que ela, por terceiros, veio mais tarde descobrir que não existia), etc.
Minhas chegadas em casa começaram a ser bombardeadas de perguntas, sempre e cada vez mais ferozes de ciúme e paixão! Toda a cólera era depositada em cruéis especulações acerca de minha fidelidade e isso veio a ser um grande e ardente inferno. Mexia em minhas coisas, xeretava meus e-mails e a caixa postal do meu celular, verificava o histórico do navegador e os registros de conversas do messenger. Não conversávamos mais, apenas brigávamos. Me sentia cada vez mais oprimido e ela, desesperadamente angustiada com toda essa falta de confiança. Chegar do trabalho, antes prazeroso, era então sufocante e atribulador. Um redemoinho de sentimentos turbilhava nos cômodos outrora pacíficos de nosso doce lar, e cada dia se transformava no fim de nosso casamento.
Em nossa última briga, ela gritou palavrões e me jogou na cara todas as mágoas acumuladas ao longo desse catastrófico mês, onde a conta bancária engordaria e o casamento acabaria. E como previsto, ela acabou. Arrumou todas as coisas, chamou um táxi, entrou no banheiro e começou a tomar banho para ir embora. Ela iria para a casa da mãe, no bairro ao lado, e eu continuaria no apartamento até conseguir me mudar para outro menor, e dividiríamos o valor do apartamento antigo após a venda, já que eu não pretendia continuar lá.
De repente, imediatamente após eu bater a primeira cinza do cigarro pela janela, escuto o celular dela vibrando dentro da bolsa, que estava imediatamente ao meu lado. Eram três vibrações curtas e rápidas, ou seja, mensagem. Nunca, nunca mesmo, havia olhado as mensagens dela, e sempre achei muito indiscreto esse tipo de procedimento, contudo, desta vez decidi olhar e apanhei o celular antes que ele apitasse,e então, movido por uma curiosidade infantil, adolescente e derrotista, li. A mensagem era de um tal de Fred, e dizia “Estou te esperando no Posto 5″. Não entendi a princípio, ou não quis acreditar, então rapidamente vasculhei a caixa de saída. E então a de entrada. Fiquei pasmo.
Havia mais de 60 mensagens nas duas caixas, de um para o outro. Os conteúdos, resumo-os em romance e trama, vinham construindo as teias da encenação a cada dia, trocando ideias e sugestões, entre desejos carinhosos de boa noite e bom dia. Ela saiu do banheiro e eu não percebi. Não disse palavra, apenas ficou olhando para mim, por não sei dizer quanto tempo. Quando me dei por ela, não tive coragem de perguntar ou dizer nada. Coloquei o celular dela de volta na bolsa. Perguntei se ela demoraria a ir embora, ao que ela respondeu que não.
Dei as costas, acendi mais um cigarro e olhei a paisagem da cidade pela janela. Enquanto eu via os braços mecânicos do porto, os piscas das embarcações no pier de um mar escuro sob um céu nublado, os carros passando lá embaixo na avenida, o som da porta abrindo e fechando na sala fez-se ouvir antes da última tragada. A dissimulada havia partido.
---------------------Autor: Roberto Monteiro.-----------------------
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