Amor taciturno

Estava prestes a partir. Sempre cultivei repudio a grandes aglomerações, principalmente quando eu não me sentia parte delas, e isso era muito comum. Sentia-meperturbada, as extremidades dos meus dedos formigavam levemente. Poderia desmaiar naquela hora. Não olhava para os lados, olhava para minha própria roupa, ela pulsava vagarosamente para cima e para baixo. Isso já me era comum, nada que fugisse do habito deste já gasto coração pulsante e arrítmico.

Ele estava ali, exatamente do meu lado. Ninguém, nem mesmo eu, fazia questão de explicar à minha cabeça insolente que se eu o olhasse acabaria por me condenar. Eu o amava. Supostamente. Eu o amava há muito tempo, talvez a muito mais tempo do que amo a mim, uma vez que essa filáucia que há em mim hoje é resultado de muitos anos de terapia.

Estava parado como uma estátua, mas uma estátua capaz de emanar muito mais calor do que eu. Os olhos castanhos queimavam, tinha olhos dignos de Hefésto. Seu corpo era branco, seu rosto era belo. Basta. Tenho que ir embora. Mas antes de partir permita-me recordar as incontáveis vezes que me deleitei ao ver seus lábios, mesmo que tão longe, longe o suficiente para não expor-lhe meu segredo.

Virou-se de súbito, era nítido que também tinha que partir, todos tinham. Sua mão percorreu meus ombros e minhas costas, repousando sobre minha cintura e me puxando para perto. Abraçou-me com singeleza e cumplicidade, seu rosto repousava junto ao meu. Se eu pudesse ter um desejo concedido seria o de saber o que se passava por sua cabeça, se havia um desejo por trás dele que havia encontrado o desejo meu. Beijou meu rosto de leve, deixando seu perfume ressonando em mim, deu um meio sorriso como se soubesse a quantidade de coisas que cabem em um abraço e saiu cantarolando satisfeito.

Sah
Enviado por Sah em 25/10/2010
Código do texto: T2576774
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