A CARTA
Sentou-se à mesa da cozinha com o bloco de papel de carta e uma caneta. Embora usasse o computador para jogos, pesquisas ou até para receber e mandar correio, as cartas para os filhos eram ainda "à moda antiga".
Meu querido:
Tenho tantas saudades tuas... Que tens feito desde a última vez que deste notícias?
Eu estou bem embora continue com insónias. Será da preocupação que tenho contigo?
(Escreveu estas mesmas palavras ao pai dele quando este foi para o Ultramar (Angola) em comissão de guerra. Trocaram alguns aerogramas e depois ele foi colocado no Leste de onde escreveu apenas uma vez deixando-a louca de aflição.
Estava grávida e ele embarcara poucos meses após o casamento. Tinha a certeza de que estava bem pois se alguma desgraça tivesse acontecido seria avisada pelo Alto Comando do Exército, como já tantas famílias o tinham sido desde que contingentes militares tinham partido desde que começara o Terrorismo... Mas se fosse o caso de algo menor, ninguém a avisaria. Já o imaginava doente num hospital qualquer sem condições... Completado o tempo, o seu filho nasceu. Enviou um telegrama e não obteve resposta! Foi uma decepção tamanha...
O tempo decorreu e ela dirigiu-se ao Comando tentando saber dele. Não constava que estivesse mal mas o Oficial que a atendeu garantiu-lhe que ia tentar saber dele e que depois a avisaria. Passaram-se meses antes de receber qualquer notícia e um dia recebeu uma comunicação do Comando. Ele estava bem e vivia na morada tal...
Falou com os pais e os sogros e resolveu meter-se num barco e ir ver o que se passava. O menino ficou à guarda dos pais e foi!
Sem conhecer nada foi perguntando e com as indicações acabou por chegar ao Luso, depois de uma viagem extenuante. Indicaram-lhe uma Pensão. Nesse mesmo dia indagou na Pensão por aquela morada e a ela se dirigiu.
Uma casinha modesta no Bairro Ferroviário. Bateu à porta que foi aberta por uma jovem bem parecida, grávida. Perguntou por ele. Estava no quintal e veio à porta... Ficaram a olhar um para o outro, ele embaraçado, ela de coração partido. Convidou-a a entrar mas ela recusou... "Sabes como é... A solidão, a distância... Gostamos um do outro e estamos a viver juntos... Ela vai ter um filho meu, não a posso abandonar agora... Tens de ter paciência... Estas coisas acontecem..."
Virou costas e regressou à Pensão.
Não chorou perante o que lhe acontecera. Ele não merecia uma lágrima! O tanto que se afligira por ele! O quanto ele lhe dissera que a amava, as promessas, os planos para uma vida... Tudo por água abaixo!
Assim que teve transporte regressou a Luanda onde esperou por barco para regressar a casa.
Pediu o divórcio.
Anos depois voltou a casar e teve mais dois filhos. É relativamente feliz neste casamento.
Este filho, o mais velho, trabalha em Espanha e por lá casou. Vive nos arredores de Guadalajara e tem uma bebé de meses que ela ainda não conhece pessoalmente mas espera vir a conhecer em breve.)
Como está a minha neta? Um dia destes faço-te uma visita! Ando a juntar o que posso e vou de avião. Aviso-te quando chegar a altura!
Querido: escreve umas palavrinhas, não sejas preguiçoso! Sabes que gosto tanto de ir à caixa do correio e estar lá uma carta tua... Eu sei, eu sei... Mandas-me emails... Mas as cartas são mais o meu estilo! Já sabes como sou, de manias!...
Amo-te muito, meu querido filho!
Beijinhos da tua mãe.
Beijinhos,
Sentou-se à mesa da cozinha com o bloco de papel de carta e uma caneta. Embora usasse o computador para jogos, pesquisas ou até para receber e mandar correio, as cartas para os filhos eram ainda "à moda antiga".
Meu querido:
Tenho tantas saudades tuas... Que tens feito desde a última vez que deste notícias?
Eu estou bem embora continue com insónias. Será da preocupação que tenho contigo?
(Escreveu estas mesmas palavras ao pai dele quando este foi para o Ultramar (Angola) em comissão de guerra. Trocaram alguns aerogramas e depois ele foi colocado no Leste de onde escreveu apenas uma vez deixando-a louca de aflição.
Estava grávida e ele embarcara poucos meses após o casamento. Tinha a certeza de que estava bem pois se alguma desgraça tivesse acontecido seria avisada pelo Alto Comando do Exército, como já tantas famílias o tinham sido desde que contingentes militares tinham partido desde que começara o Terrorismo... Mas se fosse o caso de algo menor, ninguém a avisaria. Já o imaginava doente num hospital qualquer sem condições... Completado o tempo, o seu filho nasceu. Enviou um telegrama e não obteve resposta! Foi uma decepção tamanha...
O tempo decorreu e ela dirigiu-se ao Comando tentando saber dele. Não constava que estivesse mal mas o Oficial que a atendeu garantiu-lhe que ia tentar saber dele e que depois a avisaria. Passaram-se meses antes de receber qualquer notícia e um dia recebeu uma comunicação do Comando. Ele estava bem e vivia na morada tal...
Falou com os pais e os sogros e resolveu meter-se num barco e ir ver o que se passava. O menino ficou à guarda dos pais e foi!
Sem conhecer nada foi perguntando e com as indicações acabou por chegar ao Luso, depois de uma viagem extenuante. Indicaram-lhe uma Pensão. Nesse mesmo dia indagou na Pensão por aquela morada e a ela se dirigiu.
Uma casinha modesta no Bairro Ferroviário. Bateu à porta que foi aberta por uma jovem bem parecida, grávida. Perguntou por ele. Estava no quintal e veio à porta... Ficaram a olhar um para o outro, ele embaraçado, ela de coração partido. Convidou-a a entrar mas ela recusou... "Sabes como é... A solidão, a distância... Gostamos um do outro e estamos a viver juntos... Ela vai ter um filho meu, não a posso abandonar agora... Tens de ter paciência... Estas coisas acontecem..."
Virou costas e regressou à Pensão.
Não chorou perante o que lhe acontecera. Ele não merecia uma lágrima! O tanto que se afligira por ele! O quanto ele lhe dissera que a amava, as promessas, os planos para uma vida... Tudo por água abaixo!
Assim que teve transporte regressou a Luanda onde esperou por barco para regressar a casa.
Pediu o divórcio.
Anos depois voltou a casar e teve mais dois filhos. É relativamente feliz neste casamento.
Este filho, o mais velho, trabalha em Espanha e por lá casou. Vive nos arredores de Guadalajara e tem uma bebé de meses que ela ainda não conhece pessoalmente mas espera vir a conhecer em breve.)
Como está a minha neta? Um dia destes faço-te uma visita! Ando a juntar o que posso e vou de avião. Aviso-te quando chegar a altura!
Querido: escreve umas palavrinhas, não sejas preguiçoso! Sabes que gosto tanto de ir à caixa do correio e estar lá uma carta tua... Eu sei, eu sei... Mandas-me emails... Mas as cartas são mais o meu estilo! Já sabes como sou, de manias!...
Amo-te muito, meu querido filho!
Beijinhos da tua mãe.
Beijinhos,