Requiém para o mundo
A água, oriunda do transbordamento dos oceanos, subiu rapidamente, atingindo o sopé da montanha sagrada. E continuou a subir, ameaçando com fúria o antigo mosteiro. O velho Lama acordou de seu cochilo entrepreces e avistou o horizonte que até a pouco se perdia no ar frio das grandes alturas, a tempo de ver a enormidade do tsunami que ruidosamente avançava sobre o retiro. Os olhos miúdos reconheceram a cena já esperada. Com o semblante sereno – o mesmo que o caracterizara em tantas outras situações no decorrer de sua longa vida – o velho caminhou em direção ao sino de 4000 anos que por inúmeras vezes brandira, a exemplo dos monges antecessores que outrora fizeram ecoar a melodia solitária do metal ferido sobre os lençóis brancos dos vales que se desdobravam montanha abaixo. Reproduzindo o gesto ancestral, tomou do tronco de cedro milenar e arremeteu-o de encontro à grande cúpula de bronze. O som grave vibrou, entoando um requiém em último adeus, e misturou-se com a imensidão da água que engolia o teto do mundo.