À Tardinha

Nas lembranças de outrora me vem na memória as travessuras e felicidade de criança. À tardinha, coitadinha da minha avó! Me dava um banho gostoso para eu já ir dormir. Mas, logo eu estava todo sujo, descalço, brincando na areia. À tardinha, vovó tinha que me dar outro banho e a água já fria... Ela me mandava fazer mijar na bacia para esquentar a água. À tardinha, a vizinha já vinha reclamar, pois com o meu estilingue, eu havia acertado uma pedrada no seu galo de estimação... À tardinha, para eu me alimentar era ovos com sardinha no jantar. À tardinha, ainda não precisava da luz da lamparina que mais tarde eu ia brincar de apagar e deixar todos no escuro. À tardinha, quando o sol já bem baixinho, um adeus queria dar, o sono já me alcançava, de tão cansado que estava, de tanto aprontar. À tardinha, as galinhas já nos poleiros e eu bem sorrateiro, disfarçava que ia me deitar e lá no galinheiro fazia a farra recomeçar. À tardinha, na Avenida Hugo Napoleão, sem número, uma por uma as minhas tias e os tios iam chegando ao terreiro da casa de palha e paredes de taipa, para jogar conversa fora e tomar um cafezinho da vovó. À tardinha, coitadinha da cidadezinha de Agricolândia, sempre com jeito de feitoria, e mudou muito pouco depois de tantas tardinhas. À tardinha, tadinha da dinha! Eu havia colocado mel na toalha dela e quando o rosto ia limpar... Tadinha! À tardinha, fazia que estava chorando e quando minha avó vinha ao meu socorro eu soprava farinha na cara da velhinha, tadinha! À tardinha, eu já havia caçado passarinho com Francivaldo, Jocitãn e o Francílio do seu Bruno. Já tinha subido no pé de caju para tirar o ninho do anum, já tinha pegado pipira no alçapão... já tinha tirado os dois pauzinhos que seguravam o pano da preguiçosa e quando a vovó foi sentar...tadinha, lascou a bunda no chão! Ufa!! À tardinha, a queridinha da vovó, vinha chorando reclamar que eu a havia assustado, brincando de assombração. À tardinha, a Egidinha, coitadinha era tão chorona e medrosa que se mijava. À tardinha, eu voltava com meu primo Edvar lá do açude da baixa, todo cinzento por causa da água barrenta e passávamos a unha fazendo uns riscos no corpo... À tardinha, eu fazia que estava chorando novamente e gritava para minha avó que uma onça tinha nos atacado! À tardinha, tadinha, minha avó acreditava e ficava muito preocupada e dizia: Ô meu fio, cuidado com as onça, que elas são pirigosa mermo! À tardinha, eu rolava de dar risadas de minha avó, por ela ter acreditado! À tardinha, a vovó dizia: que menino excumungado, diacho de menino, vem aqui peste, que eu vou ti dar umas palmadas... Á tardinha, quando minha avó me pegava, que nada, com carinho me abraçava, me beijava, me bajulava, me punha na rede e me embalava, contava estórias de guaxinins, de serpentes aveludadas que desciam pelos punhos da rede, se eu não dormisse logo e... À tardinha ela cantava: Constância, minha Constância, não chores, como eu chorei... Á tardinha eu dormia pensando quem era Constância, porque chorou e em que momento vovó havia chorado que não vira.(?) À tardinha, bem tardinha, na boca da noite, então, eu dormia... Ah! Aquela tardinha... eu deixava ir com tristeza pois eu nada podia fazer para impedir, mas se pudesse, jamais deixaria ir aquela tardinha... se pudesse amarraria o sol com aquela embira que eu enforcava meu cabrito de estimação... Ou dizia como o poderoso Gideão: Detém te ó sol no alto fresco e tu ó lua fica parada aí no buraco d’água!... Porque aquela tardinha ia e eu ficava, para esperar a outra tardinha e fazer tudo outra vez. À tardinha, bem tardinha, já no pôr do sol da vida da gente, vovó se foi... À tardinha, mãeiza, que era Luiza, foi descansar no pó da terra depois de trinta e uma mil, trezentas e noventa tardinhas. À tardinha da vida é tão breve, pensei depois. Às tardinhas de minha infância eu nunca vou me esquecer para prolongar a minha alegria de viver. E suspiro ainda, até hoje... Aaahhh! Aquelas tardinhas...