POR TODA UMA HUMANIDADE

Podia se dizer que doía os ombros e que eu não podia me levantar, mesmo fazendo força, os membros não respondia as ordens mentais.

Me lembrei da zoada dos pneus, chiando e derrapando no asfalto, não pensei que tivesse acontecido nada comigo, por baixo das axilas vi um mendigo em minha direção, vinha capengando, eu tentei sorri e pensei: que coisa, aonde aquele cara vai de olhos esbugalhados, talvez esteja em Delírio trêmulos já que tem cara nojenta de cachaceiro desocupado, destes malandros que para não trabalharem viram moradores de rua a pedir e a roubar.

Depois disso só vi um teto branco que identifiquei como de alguma suíte de hotel, mas não da minha casa, de repente chegou um cara de máscara e óculos, deu-me bom dia que eu quis responder e não conseguia, tinha uma bola carrasquenta na minha garganta, então era de manhã.

Mas que eu estava fazendo ali? Certamente pelo personagem a minha frente, era um hospital, então caiu a ficha.

O CSA venceu a partida, certo, estava tão embriagado que não me lembrei onde tinha estacionado meu carro, certo, saí andando a pé pelas ruas escuras do bairro próximo ao estádio de futebol, ainda havia torcedores animados aqui e acolá, mas depois só ruas desertas, era madrugada e eu ainda queria tomar mais um porre, pois meu time ascendeu a primeira divisão.

Numa esquina, eu soltei o bastão da bandeira do meu time, e eu me perguntei por que deixei cair a bandeira, o chiado dos pneus vieram depois, foram registrados tardiamente, eu já estava no chão, e lá sendo moído de pancadas e pontas-pé de várias pessoas que não conseguia ver, acho que desmaiei uma vez, e acordando me dei com um mendigo vindo em minha direção e desmaiei de novo. Como vim parar no hospital? Não havia vivalma por perto dalí me levaram tudo, carteira, documentos, celulares, chaves até as chaves eu senti me tirarem, só bastava a carteira e os celulares, mas não, acho que minha camisa azul do meu time os irritou porque me rasgaram toda. Deixaram-me no chão e eu nada sentia a não ser as dores que falei, mas suportáveis. Só se foi o ... Mendigo.

Só podia ser ele, ele devia ter me atacado com os comparsas para me roubar, mas e o chiado de pneus, e a “porrada” que levei até cair no chão indefeso e ser agredido? Pelo que eu saiba moradores de rua não tem carros.

Como não podia falar, calei minhas perguntas, o médico continuava falando e eu pouco entendia. Depois de dias que não contei, comecei a falar e levantar pelo menos o braço direito enxergava muito mal por um dos olhos e não me deram o espelho que tanto pedi. Respirava com extrema dificuldade e sabia que não tinha mais uns dentes na boca, o pior era respirar.

Então.

Eu só conseguia fazer amizades com um intuito, saber o que a pessoa em questão poderia me valer, nada mais representava para mim, se a pessoa não fosse interessante eu a dispensava interiormente, e começava a tratá-la com uma cordialidade fria e distante, se me interessava, então investia pesadamente nela, era eu um excelente vendedor de baterias e pneus automotivos, estava para ser supervisor da capital, e nada me interessava pessoas que não tivesse condições de ser clientes futuros, donos de lojas, ou pessoas que me ajudassem a subir a escada social, e certamente tenho prevenção contra os desocupados e vagabundos, pois é, eu sofri muito, me humilhei muito para chegar onde estava, e minha prevenção era talvez ilógica e burra, mas era assim mesmo, imagine um mendigo alcoólatra? Deve ser no mínimo um ladrão e no máximo um ser desprezível com todos os tipos anti sociais de comportamento.

Foi Seu João o seu Bom Samaritano Sr.. José, ninguém que passou por você naquela madrugada quis assumir o risco de te socorrer, e o Seu João, inquilino de marquise, de lá observava seu sofrimento e a indiferença dos passantes, e olhe que apesar de ser madrugada, passou muita gente, e muita gente, torcedores do CSA também viram lá caído um torcedor, mas o comentário foi taxativo “ cachaça”. E você ficou lá por mais de duas horas, sangrando acordando e desmaiando.

Seu João não agüentou, saiu de lá de seu cantinho, se aproximou de você e você o xingou, mesmo assim ele esperou você desmaiar e o colocou nos braços, carregou até a carrocinha que ele recolhe papeis para vender, e o trouxe para este Hospital. E veja você, aqui chegando ele é que foi preso.

O Acusaram de ter te atacado e ter te roubado, ela falou sua história, homem simples, mas trabalhador e sem teto, sabia que se te socorresse entraria em barulho, mas disse que não tinha “sangue de barata” e que não agüentou tanta desumanidade. Por fim a polícia deu-lhe crédito mesmo desconfiado, e anda a procura dos assaltantes.

Você não vai mais poder andar, está paralítico, mas está salvo graças a um sem teto humano.

Não confio mais em quem confiava, confio mais no interior dos humanos, e confio mesmo que as lições bíblicas são mesmo

PARA TODA HUMANIDADE, POR TODA UMA HUMANIDADE