ANTIGAMENTE ERA ASSIM...

Eu sabia fazer pipa, e as pipas que eu fazia, subiam, faziam graça e o céu embelezava.

Eu sabia pular corda e pulava mais que pipoca. Usando corda, ou qualquer planta que tivesse ramagem. Pulava e não me cansava...

Eu sabia jogar bola de gude, e enfrentava qualquer concorrência. Tinha mira perfeita e colecionava os prêmios, a ‘ferranças’ e as ‘cabeções’.

Eu sabia usar pião, pular amarelinha, espeto, subir em árvore – parecia uma macaquinha, andando de galho em galho.

Foi aí que caí na real, descobri um dia desses que não podia mais fazer o que fazia antigamente. Que decepção... Fiz cara feia e até tentei ser respeitada, mas terminei passando por farsante da pior espécie.

Vou contar como tudo aconteceu. Tentei fazer umas pipas e a criançada esperava ansiosa pelo grande momento, mas as ‘obras primas’ pareciam panquecas achatadas e desconchavadas. Na hora de levantar vôo, optaram, sabiamente, por ficar na grama. As paletas saíram voando para um lado, o papel de seda que eu orgulhosamente havia escolhido - para o outro... e os rabos resolveram enfeitar uma folha do coqueiro.

Tentaram me consolar, e aí saí com outra ‘idéia’, a de pular corda. Os ossos fizeram greve, pedi licença e fui tomar um analgésico... Preveni é melhor que remediar. Vai que fico entrevada, estragando o resto dos ossos que ainda estavam em condições aceitáveis...

Chamaram-me para jogar bola de gude, dei uma desculpa esfarrapada, tentando saí de fininho... Mas a criançada estava desejosa de ver a tia colocar em prática o que tanto alardeara. “ Vamos então brincar de espeto, tia?” Uff!!! Essa meninada nunca vira um espeto, e como é que vou dá um jeito de fabricar um? Não existe no mercado... Espeto é coisa da minha geração. Pra que fui falar nesse bendito? Insistindo na apelação, pedi quase implorando: “Vamos brincar de pião?” “Não tem graça, tia.” Respondeu-me o menino banguela. “E de amarelinha?”Continuei na insistência. “Isso é brincadeira besta!” Respondeu-me o outro... Ficara ofendido... Era como se eu tivesse lhe chamado de um baita nome feio. “E subir em árvore? Olhando em volta, percebi a besteira que havia falado. É que naquela baita terreno não havia nenhuma árvore... nenhumazinha pra contar história, amarrar uma rede, fazer um balanço... Naquela casa, os donos eram ‘finíssimos’...Não suportavam sujeira, poeira, etc... Tudo era ‘encimentado’.

A criançada, caindo na real resolveu me convidar para a área de lazer. Aceitando tão ‘honroso’ convite, fiquei de queixo caído: tudo asseado, encaixotado... Bonitinho, certinho e... Faltando algo.

E as crianças? Todas limpinhas... calçadas e enfeitadas. Não tinham nenhum arranhãozinho ou uma cicatriz pra contar história... Foi ai que descobri que aquela ‘vastidão’ me sufocava. Decidi saí e fui assisti “O Menino de Pijamas listrado”. Se desse tempo, assistiria ao “ O Caçador de pipas”. Lembrei que na minha singela estante, havia: Meu pé de laranja lima; O menino de engenho; Justino, o retirante; Uma história de Natal; As aventuras de Ripió Lacraia;Tonico e Carniça; Os meninos da Rua da Praia; O pequeno príncipe; O mistério dos morros dourados...

No dia seguinte, quando cheguei em casa, fui direto para aquela rede manchada, torcida, e remendada que havia no fundo do quintal...prevenida levei um lenço para enxugar as lágrimas...enquanto lia, viajava no tempo e revia minha infância querida.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 18/10/2010
Código do texto: T2564084
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