O Recruta
O noivo da moça
Foi para a guerra
E prometeu se morresse
Vir escutar ela tocar piano
Mas ficou para sempre no Paraguai
Oswald de Andrade
O solar dos Albuquerque tornou-se triste. O piano da moça emudeceu. Eulália, desde a partida do noivo, passou os dias na varanda do casarão, a esperar...
Nem os saraus promovidos para alegrá-la tiveram êxito, pois a moça debulhava-se em lágrimas e negava-se a tocar.
O pai, que não media esforços para agradá-la e sondava-lhe os desejos, transformou a varanda num jardim de inverno todo envidraçado. E por vontade de Eulália, lá foi colocado o piano. Ela passava os dias diante dele, sem tocar uma só nota. O olhar perdido na estrada sinuosa e poeirenta, as mãos inquietas alternavam-se em apertos, uma contra a outra. A qualquer tropel de cavalo, o coração agitava-se.
Passado o outono, o inverno também transcorreu longo e melancólico. No entanto, nos primeiros dias de primavera, as margaridas e os colibris já bailavam ao sabor do vento, os tordos cantavam nas laranjeiras, a terra resplandecia em novos matizes. Abriam-se as janelas para a brisa e a vida entrar.
Cansada e enfraquecida pela vigília, Eulália nem percebeu tanta beleza.
Foi numa manhã de sábado que ouviram a melodia vinda do jardim de inverno. Todos no casarão exultaram e correram ao encontro de Eulália.
No piano, um sabiá-viúvo saltitava sobre as teclas. Ao lado, Eulália desfalecida, a carta amarrotada...
Texto produzido na Oficina Mãos à Obra Literária.
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