APENAS  UM  BLOCO  DE  MÁRMORE !


Grande parte do dia está agarrado ao martelo e ao cinzel.

Tem mãos grandes, fortes, calejadas de tanto martelar. Sempre feridas das lascas que saltam da pedra embora as embrulhe em trapos, na vã tentativa de as proteger.

Conhece as pedras. Sente-as. Conhece-lhes as texturas, a dureza só de olhar para elas.

Vai às pedreiras e olha para os blocos. Anda à volta deles uma e outra vez. Toca-lhes suavemente com as mãos rudes, com certa sensualidade. E vai imaginando o que pode fazer com este ou com aquele. A sua imaginação fervilha e está impaciente para começar!
Negoceia com o encarregado de uma delas o preço de um dos blocos que achou ser "aquele" e diz-lhe que virá uma camioneta para o carregar e levar.


O bloco está pousado no meio do atelier. Luís olha atentamente para ele...

Lá dentro está a mulher que ele pretende libertar da pedra bruta com pancadas certeiras do martelo no cinzel.

A mão tem de ser e estar firme; a pancada deve obedecer ao seu desejo e não ao acaso. Um golpe descuidado e será um desastre completo...

Dia após dia Luís martela e volta a martelar e vai desbastando a pedra que está a mais...

Não fez esboço, contrariamente ao que aprendeu na Faculdade. Está tudo na sua mente, não precisa de desenho para saber onde deve desbastar.

Aos poucos vai chegando à Prisioneira, como ele lhe chama. Por ora não é senão um mero vulto em que se lhe vão conhecendo, grosseiramente, as formas.

E quanto mais lhe vai chegando, mais entusiasmado está.

Eugénia, a sua companheira, obriga-o a uma rotina que ela há muito lhe impôs conhecendo-o como ela o conhece. Ela sabe que ele se vai esquecendo de comer e de dormir conforme a obra se vai adiantando. Chama-o para as refeições e para a cama, obriga-o a descansar várias vezes ao dia e também a tomar banho antes de se deitar... Luís está a chegar à fase de total criação e cada vez mais distante e absorto no seu trabalho.

Esculpir não é uma arte rápida nem fácil; apenas a determinação e o sonho são o que move o artista. Passam-se meses de trabalho duro sem que pouco ou quase nada se deixe ver.
Mas aos poucos ela vai-se libertando...
Eugénia passa cada vez mais tempo no atelier. Está encantada, mais uma vez, ao assistir a mais uma Libertação!

E chega o dia em que o martelo e o cinzel são postos de lado!

Agora também Eugénia toma parte na obra de Luís: com lixas os dois vão polindo o mármore, polindo e polindo! O pó é uma constante e entranha-se-lhes nos poros, entra-lhes nos olhos e para que tal não aconteça usam grandes óculos que aderem às faces. Andam roucos porque alguma dela consegue passar pela máscara...

Depois puxam o brilho com camurça.

E ela, a Prisioneira, ali está em todo o seu esplendor: elegante, sorridente, de olhar sonhador, o tronco ligeiramente virado para a esquerda, as mãos erguidas à altura da cintura. O joelho esquerdo flectido sobre o direito dando-lhe aquele movimento de ligeira surpresa de quem vê algo encantador à esquerda e se prepara para lá ir!

Eugénia está sempre à espera que a Prisioneira complete o seu movimento e comece a andar rumo à Liberdade!

Beijinhos,
Teresa Lacerda
Enviado por Teresa Lacerda em 16/10/2010
Código do texto: T2559553
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