De Repente

E estavam os dois ali. Foi tudo muito de repente. Estavam conversando e o coração de um deles dois parou.

Os médicos, numa análise imparcial, poderiam constatar que se trata de um caso de Fibrilação Ventricular; ou seja, os batimentos cardíacos do coração ficam mais rápidos e fora de ritmo, até chegarem a um ponto em que simplesmente cessam, o que resulta numa parada cardiorrespiratória. Ou ataque cardíaco, como chamam.

O amigo, desesperado, vê o corpo da vítima no chão. Ninguém perto, ninguém pra ajudar. E ele ajoelhado ali ao lado do corpo.

Dizem que as melhores coisas acontecem de repente. Quando você menos espera, elas surgem, sempre com boas notícias. Não é o tipo de consolo que serviria para esse amigo agora. Não havia nada que ele pudesse fazer. Nada.

São nessas situações que os médicos dizem que sentem muito, que os parentes choram aos prantos diante do túmulo do ente querido, ou que os fiéis rezam pela alma do mesmo.

Ele poderia ter se conformado e escolhido qualquer uma dessas opções, mas em vez disso, ele somente deu o soco mais forte que podia dar no tórax de seu amigo que jazia no chão frio.

Esperou por um momento, como se esperasse por um milagre. Não tinha forças para chorar. Concentrava-a toda no punho esquerdo, com o qual acabara de dar mais um soco.

De fato, ataques cardíacos normalmente acontecem com pessoas mais velhas, mas quem já tem problemas cardíacos desde a infância deve redobrar os cuidados, pois a chance de uma pessoa jovem morrer num ataque cardíaco é bem maior do que a de uma pessoa já adulta.

Esse amigo tinha plena consciência disso. Tinha lido em um artigo de alguma revista que já esquecera o nome. Aquele artigo veio em sua memória instantaneamente, como se fosse um estímulo para com ele mesmo de desistir daquela vida tão querida e cara, que já nem estava mais no corpo que a pertenceu por quase dezesseis anos.

Ele se arrependeu rapidamente de se pegar nesses pensamentos por mais de dois segundos, e juntando as duas mãos, com uma força que nunca pensou ter, golpeou-o mais uma vez, como se estivesse cravando uma espada no lado esquerdo do tórax do amigo.

A princípio, sentiu um imenso remorso. Aparentemente não quebrara nenhum osso do amigo, mas o golpe fora muito forte e – parecia ter sido - em vão. As estatísticas frias dos médicos e especialistas pareciam ter vencido sua persistência e esperança.

Mas as coisas boas acontecem de repente. Principalmente quando você se esforça para que elas aconteçam.

E foi com uma tosse inesperada que o corpo vibrou. E com os olhos esbugalhados, o que era antes um cadáver, agora voltava a respirar ofegante.

Eles venceram as inflexíveis estatísticas e os pêsames dos médicos. Os parentes e entes queridos não precisariam mais chorar diante de um túmulo. Os fiéis não precisariam mais rezar pela alma de um falecido.

E qualquer um pode vencer qualquer coisa. Desde que nunca se leve pelas inflexíveis estatísticas e probabilidades, e continue batendo e socando sem remorso, sem fraquejar a força nos punhos.

Até uma porta se abrir.

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Glauco Lessa
Enviado por Glauco Lessa em 11/10/2010
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