A HISTÓRIA DE ALDA E O PORCO CHAMADO GERALDO
Aquela menina muito humilde nascida no Sertão de Cruzeta no Rio Grande do Norte, um lugar também cheio de lendas e mistérios, onde no cenário da vida passaram por lá pessoas como o Capitão Virgulino Pereira, “o Lampião”, o beato Antonio Conselheiro, e dizem que até a beata Maria das Neves que ia à Santa Missa, comungava e a hóstia vertia sangue, passou por essa pequena cidade, deixando um marco diferente nas pessoas da região. Contam que quando frei Damião passava por essas cidadezinhas aglomerava uma grande multidão para ouvi- lo falar sobre o Fim dos Tempos. Dizem que na década de 50, Frei Damião falou que antes do mundo acabar teriam três dias de trevas e que as pessoas somente sobreviveriam se as famílias tivessem em casa água e velas bentas. Tal coisa marcou sobremaneira aquelas pessoas que até hoje, quase 70 anos depois, aqueles que naquela época eram jovens e participaram daquele momento religioso histórico guardam como relíquia as velas abençoadas pelo padrinho Frei Damião.
Alda cresceu ouvindo essas e muitas outras histórias dos antigos e havia algo nela que a diferenciava das outras meninas, seu olhar estava sempre no sentido distante, um olhar penetrante e sorriso sombrio. Menina de poucas palavras, que acalentava um grande sonho, sair daquela vida pobre e conquistar outros horizontes. Por muitas vezes ela rezou ao seu anjo da guarda para que tudo fosse mudado e ela pudesse ter uma vida melhor, pois na verdade não aguentava mais andar no pelo de um jegue léguas e léguas à procura de água potável e tendo como sustento um pouco de farinha e rapadura.
A mãe de Alda, d. Lucia contava que em meados de 1923, houve tanta seca e fome na região que presenciaram um senhor por nome Raimundo Nonato cozinhando um urubu para tentar matar a fome dos filhos, pois aquela sofredora família perdera três crianças que morreram de tanta fome e sede. Tudo isso entristecia a alma de Alda. O seu subterfúgio era a oração. E ela rezou tanto que certo dia chegou ao sertão de Cruzeta um forasteiro no lombo de sua jumenta dizendo que pros lados de Minas Gerais havia muita riqueza e água em abundância e que na próxima semana, na quinta feira, o pau de arara passaria por lá, por volta das 6 horas, caso houvesse interessados em partir o valor da passagem era 50 contos de réis. Que teriam que levar farinha, rapadura e carne de charque, pois a viagem duraria três dias e três noites.
Alda e sua família juntaram tudo que podiam levar, e nessa euforia da viagem recebem uma inesperada e triste noticia, que seu pai estava voltando de uma fuga, pois dias atrás havia feito Campina Grande tremer. Ele era jagunço e fora acusado de ter ido para lá cometer alguns crimes, diziam que recebera ordens para matar um homem muito importante a mando de um desafeto, mas assassinou a pessoa errada, deu cabo à vida de um outro por engano. Esse fatídico acontecimento foi um motivo a mais para que partissem para outra região.
Tudo foi muito traumático na vida dessa família, logo após a mudança o pai de Alda faleceu.
Mas o tempo foi passando e Alda estava com dezoito anos quando conheceu o jovem José, também nordestino que morava ali na região do Triangulo e trabalhava como barbeiro. Enamorados, ele foi pedir a mão de Alda em casamento para a sua mãe d. Lucia, e aconteceu um fato muito engraçado, todas as pessoas ali presentes pensaram que ele iria tirar uma aliança de noivado do bolso. Adivinha caro leitor, o que ele tirou daquele terno preto todo amarrotado!? Adivinha!? Uma porção de farinha e um pedaço de rapadura! A reação foi uma risada geral, aí imaginem foi só festa, só alegria.
Alda, mais tarde depois que casou- se com o Zé Barbeiro revelou- se uma excelente dona de casa e ótima mãe. Teve quatro filhos e para ajudar o marido no orçamento doméstico, além de ser ótima cozinheira, ela começou a criar galinhas para vender, e o que mais chamava a atenção é que tinha algo em sua voz, no seu timbre vocal que fazia com que todos os animais e bichos a escutassem e obedecessem. Pasmem, sabe o que aconteceu? Além de galinhas, Alda iniciou uma criação de porcos, e dentre tantos que criou para vender ou comer, houve um muito especial. O ultimo porquinho que Alda cuidou que teve um papel importante naquela família, o nome dele era Geraldo.
Geraldo era um porquinho muito bonito e muito engraçado, só faltava contar piadas e rir. Mas sua maior virtude era a obediência. Como Geraldo obedecia aos pedidos de Alda! Era muito interessante de se ver, pois quando ele deitava- se bastava a mulher lhe dizer:
- Geraldo levanta! Então ele se levantava. Na hora do banho era a mesma coisa, Alda dizia:
- Geraldo vira pra eu lavar do outro lado, obediente ele se virava. Esse jovem porco era muito querido e as crianças da casa temiam que um dia ele fosse levado para as panelas. Sabem o que aconteceu? Geraldo tornou- se imenso, estava muito gordo, mas muito gordo mesmo e Alda ficou apreensiva com a hipótese de vê- lo morto por infarto, para não acontecer tal coisa, combinou com o seu vizinho Zé Roxo para na madrugada ele ir sangrar o pobre coitado.
Foi um acontecimento muito triste para as crianças da família de Alda, o Juninho filho dela quase deu uma sapituca, era difícil resistir ao grito desesperador do fiel amigo, era como um grito de socorro, um grito de adeus.
A manhã passou lentamente e chegou a hora do almoço, com todos muito famintos. Alda anunciou como de costume:
- Vamos almoçar crianças, venham logo.
E depois de muitas lágrimas vertidas pela morte do porco, sentados à mesa, ouviram a voz calma do Zé barbeiro, marido de Alda dizer com certo tremor na fala:
- Nunca pensei que esse Geraldo fosse tão gostoso!
E assim Alda, José e filhos foram muito felizes.
(Homenagem para meus pais e todos os nordestinos que por força das circunstâncias foram obrigados a deixar o seu quinhão natal).