A Matemática da Filosofia segundo Paralucius Mandraglifus
A Matemática da Filosofia segundo Paralucius Mandraglifus
Em uma certa manhã, o discípulo abriu sorrateiramente a porta do grande salão do alto da Torre da Sabedoria e espiou seu mestre, Paralucius Mandraglifus, que estava deitado sobre um tapete e várias grandes almofadas bordadas coloridas. Sempre desatento, o rapaz, achando que falava consigo mesmo em pensamento, acabou dizendo em voz alta:
-Bom, da penúltima vez que entrei aqui, achei que ele estava meditando e ele estava dormindo, da última vez, pensei que ele estava morto, mas ele estava meditando, então, desta vez ele deve estar meditando deitado, pois deve ter cansado de ficar sentado! Mas da próxima vez, preciso ter cuidado: ele poderá estar morto, e não sei se conseguirei acordá-lo da morte!
-Mas será possível ! Você ainda não aprendeu! Toda vez você erra! Porquê você me acordou, discípulo?
-Desculpe –me tê-lo acordado da meditação, Mestre !
-Eu estava dormindo ! Você não entendeu o que eu disse?
-Calma, Mestre, não precisa ficar irritado. Eu entendi sim; o senhor quis me dizer que eu o acordei da meditação, por isto mesmo é que pedi desculpas! É tão certo quanto 2 mais 2 são 4 !
-Não se acorda da meditação, ignaro! Quando se medita é preciso ficar acordado! É preciso se concentrar para meditar! E depois, nem sempre 2 mais 2 são necessariamente 4 em certos pontos de vista ! Vá na cozinha e me traga um fardo bem grande de laranjas !Um fardo tão pesado quanto a sua ignomínia !
-Nossa, mas o senhor está com uma fome daquelas , não? Mas , olha, o senhor me desculpe, mas o senhor vive dizendo que eu sou burro, mas quem está sendo burro é o senhor, pois 2 mais 2 são sempre 4 ! Já somei isto um montão de vezes e não consegui achar nenhum outro resultado!
-Você está me chamando de burro, ó rei dos asnos? Justo você? Eu vou lhe dar uma lição que você vai ver! E não vai só de matemática, não !Vá e volte logo! Pensando bem, pode ir e não voltar nunca mais, assim acaba o meu sofrimento!
O Discípulo foi, e depois de algum tempo, para desespero de Paralucius, voltou, carregando um fardo enorme de laranjas.
-Sente –se e coloque o fardo ali. Trouxe uma faca?
-Não, o senhor não falou nada de facas...
-Ah, deixe para lá. Tenho uma outra comigo. Eu devia estar usando para matá-lo, mas a usarei para sua lição de hoje : A Matemática vista do ponto de vista filosófico. Me dê 4 laranjas.
O discípulo pegou a faca, rasgou o fardo e apanhou as laranjas e as deu ao Mestre.
- Muito bem. Você me disse que 2 mais dois são sempre , e necessáriamente 4.
- -Sim, mestre, cansei de somar e não achei nenhum outro resultado. Fiquei a noite inteira tentando ...
- -Esqueça. Muito bem, observe estas 4 laranjas. Vou separá-las em 2 grupos de duas. Na filosofia, nem tudo que e’ obvio ululante é tão evidente assim, se você ver as coisas de diversos pontos de vista relativos e dialéticos. Se eu empilhar estas duas laranjas uma em cima da outra, teremos o quê?
- -Duas laranjas empilhadas !
- -Não, ignóbil, 1 conjunto de duas laranjas ! Juntas , elas formam uma só entidade, dois lados de um mesmo fato !Neste caso, 1 mais 1 não é igual a 2, mas 2 é igual a 1, contrariando a matemática . Junte as outras duas empilhadas também. Isto. Agora, o que temos?
- Quatro laranjas somadas! Ou duas pilhas de laranjas....
- Haja paciência! Haja paciência....temos duas entidades unas, discípulo! São quatro lados, de uma mesma coisa, não é isto?
- -É isto mesmo! 2 mais 2 são 4! Eu não te disse?
- Estúpido! Como uma entidade lógica e positivista pode ter 4 lados? Eu não acabei de dizer que são 2 lados de uma mesma entidade? Pense em positivo e negativo. Menos 2 mais 2 , qual o resultado?
- Chii, nunca pensei nisto antes...
- Mas que tapado! Pensa, pensa, sua mula, o resultado é zero! Negativo e Positivo se anulam! Então, neste caso, duas laranjas mais duas laranjas não resultam em quatro laranjas, estou certo?
- -Está errado. Elas continuam sendo 4 laranjas!
- -Eu mato eu esgano, eu arrebento eu, eu...
Paralucius pegou duas laranjas , uma em cada mão, e as arremeteu uma contra outra com violência. Elas se espatifaram, esmagadas.
-Ainda são duas laranjas? Viu o que acontece quando valores positivos e negativos se encontram? Agora eu lhe mostrei que somadas desta maneira, uma laranja mais uma laranja não são duas, mas zero laranjas!
-Nossa, eu não sabia que a matemática era assim tão violenta! O senhor matou as coitadas das laranjas! Não tem dó delas ?
-Aaaaaaargh! Rugiu de fúria Paralucius.
Após se acalmar um pouco, o Mestre continuou:
-Pegue mais duas laranjas no fardo.
-Aqui estão. A propósito, Mestre, para quê o senhor me pediu tantas laranjas?
-Só vamos utilizar algumas na sua aula. O resto é para eu atirar em você de raiva por você não ter aprendido nada, após a aula ! Mas vamos continuar. Temos agora novamente dois conjuntos de dois lados, positivos e negativos, cada um. Porem não se pode somar, ao juntar-se ambos os conjuntos, os pontos positivos e negativos de cada um dos conjuntos para tentar formar quatro lados, como poderíamos fazer na matemática, pois neste ponto, ela e a filosofia divergem. Até o ponto em que positivos somados com negativos anulam-se mutuamente, matemática e filosofia concordam entre si. Mas na lógica positivista, que é exatamente oposta à dialética, positivos e negativos combinam-se em um só elemento, pois este tipo de lógica prega que tudo na vida tem suas vantagens e desvantagens, e ambas formam a vida, não se anulam. Então, se consideramos cada conjunto de duas laranjas, um só conjunto de dois lados, como requer o conceito da Paridade, somando as quatro laranjas não teremos quatro, mas duas. Então, do ponto de vista filosófico, dois mais dois serão igual a dois , não quatro, e na verdade , nem serão dois mais dois, mas 1 mais 1. Então 1 mais 1, neste ponto de vista, serão dois, correto?
-Sim, mestre!
-Ah, não adianta! Errado, errado, tente pensar mais além do que o simples óbvio e busque o significado das entrelinhas! Na filosofia, nada se soma, tudo se combina! Veja, junte as quatro laranjas. Isto. Agora, as duas entidades de dois lados formaram um só conjunto de dois lados, então temos que 1 mais 1 é igual a 1, um só conjunto de dois lados combinados ! O que um dia foram 4 agora são um só.
-Olha, mestre, até agora, olhando para as duas pilhas de laranjas juntas, só consigo mesmo ver é 4 laranjas!
- Ah, mas que infeliz! Escuta, cabeça oca, acabei de lhe mostrar como se vê as coisas do ponto de vista positivista; pense que cada pilha é uma entidade, não pense mais em laranjas, pois eu já não agüento mais falar de laranjaaaas !
Paralucius teve de se acalmar de novo, então continuou:
-Agora, se pensarmos dialéticamente, teremos de lembrar de todos os gomos das laranjas, a casca, cada célula, etc, pois a dialética é como um gradiente, um espectro que vai além do positivismo, que admite apenas 2 lados. Ambos são opostos no que afirmam, mas ao mesmo tempo ambos se complementam, nenhum dos conceitos é errôneo, pois um vai além do outro , e pode –se afirmar que o positivismo é a dialética, só que vista de um ponto de vista muito limitado. Entendeu?
-Entendi! O senhor quis dizer que se cada um de nós pegarmos duas laranjas e somarmos as quatro com violência, teremos um só suco de laranjas !
-Ah, não adianta! Depois de uma destas, a única conclusão racional em que consigo pensar é : Penso, logo desisto !
FIM