Hoje é dia de Saudade

Era um domingo de maio bem cedo, o meu pai estava limpando o quintal como de costume. Eu estava na janela apreciando e falando muitas coisas, enquanto os pássaros cantavam. Lembro-me bem do sabiá, que estava no alto da mangueira e intermitentemente repetia a sua melodia com aquela poesia marcante de louvor à vida. O sol vinha levantando, aquecendo suavemente as gotículas de sereno da noite que se despedia, com a lua cheia espelhada sobre a poça d água no lado da ameixeira. Quando ao distrair de meu pai ao abrir o portão para por o carro para fora se evadiu desenbestadamente para a rua os cachorros, Júnior e Marrone. Meu pai, meio que surpreso tentou ir atrás deles, mas foi impedido pela mamãe, que o tranqüilizou dizendo que os cachorros já estavam acostumados, saiam e logo voltavam.

De fato não durou nem dez minutos e o Marrone, o mais velho logo voltou. Júnior, o mais moço, deu uma grande esticada e meu pai repetiu a intenção de pegá-lo, no entanto minha mãe novamente o interpelou.

Compromissado o pai fechou o portão e fomos ao supermercado. Ainda no carro pude ver a preocupação do pai, mas a mãe sempre o tranqüilizando dizia que o cachorro, quando a gente voltasse estaria esperando no portão.

Veio a chuva e o dia ficou com cara de saudade, do supermercado ainda fomos comprar peixe no Nonato, açaí no Curiau e farinha no irmão. Lá pelo meio dia e meio chegamos e a frente da casa estava em silêncio mórbido e não havia nenhum cão.

O pai olhou, desceu do carro abriu o portão e sem dizer nada colocou o carro para dentro, retiramos as compras e as agasalhamos. Foi quando o silêncio esquisito foi cortado pelas justificativas irreverentes de minha mãe, dizendo que o cachorro haveria de ter ido atrás de alguma cachorra, mas que logo ele voltaria.

Desse dia passaram-se duas semanas e o meu pai calado andando com o outro cão de uma rua a outra, perguntando para quem passava, mas sem muito sucesso. Eu, minha mãe também andamos com o pai perguntando, algumas pessoas diziam ter visto, mas não sabiam do paradeiro, outras nem falavam apenas balançavam a cabeça com um tom de negação.

Aquilo foi ficando angustiante e antes que o pai disse alguma coisa foi me dando um aperto no coração que eu comecei a chorar. E acho que mais ou menos por um bons dias fiz das lágrimas uma bandeira de reivindicações que o meu pai não agüentou e tentando me acalmar com a esperança de que o Júnior iria voltar, começou a soluçar, como se fosse uma criança grande.Aquele dia foi a primeira vez que eu vi o meu pai chorar.

Minha mãe nem se atreveu a interpelar, pois só pelo olhar ela compreendeu a tristeza, a dor e a sua participação indireta na fuga sem volta do cachorro de casa.

A procura ainda continua, pois diz o pai antes tarde do que nunca, mas eu já estou conformado, sinceramente não sei de onde vem ao pai tanta confiança. Só sei que se o cão voltar haverá uma festa, mas se decididamente ele não vier...

Por muito tempo guardaremos no peito uma aguda saudade

Só poderá entender quem já perdeu um animal de estimação ou quem tem a sensibilidade a flor da pele.