Magdalena

Enquanto andava através da multidão que a cercava, Magdalena mantinha seus olhos bem abertos, como se tomando conta de uma possível aparição. Aparição do passado e como todos sabem, o passado não pode voltar, pois está morto. E ela sabia disso porque ela o matou. Às vezes, de tão assustada, achava que aqueles corpos poderiam ser o dele e por isso corria mais. Seus pés já estavam cansados, doloridos e com algumas bolhas, mas era um reflexo que ela não poderia evitar.

Às vezes, o toque de alguma pele áspera a lembrava daquelas mãos que a haviam jogado contra a parede. Um olhar lembrava o modo em que era olhada como uma presa a ser abatida. Uma risada lembrava aqueles dentes amarelados rindo em meio a um bafo de cerveja, zombando dela. Zombando da mãe que já não estava mais lá para ajudá-la. Que a lembrava da solidão e da miséria que viveria se não fosse por aquele que agora avançava em sua direção, a querendo a qualquer custo.

Irracional, mas quem pode culpá-la?

Mal sabia ela que a única coisa a temer no meio daquela procissão era a justiça dos homens. A justiça divina viria, talvez, um dia. Talvez por isso ela tenha ido até lá pedir perdão para aquela que havia lhe dado força, coragem e o nome - Maria Magdalena. Talvez ela a entendesse. Talvez ela visse, tal qual aquela garota assustada, que a única maneira de fugir daquilo era a morte. Senão dela, de seu agressor. Obviamente, ela havia escolhido a do agressor. Mas a lei dos homens não é tão compreensível assim.

Magdalena apertou com força o rosário que carregava enrolado no pulso. A imagem do senhor Jesus cristo já estava impressa na palma de sua mão suada. Corria, corria tanto, mas não sabia ao certo o porquê. Começara a correr desde a hora que conseguiu soltar-se do seu padrasto, o vestido já meio rasgado pelas tentativas frustradas dele, para pegar a arma na gaveta da escrivaninha e, trêmula, acertar-lhe um tiro. Desde então, corria. Desgrenhada, machucada e cansada, mas corria. Talvez seja verdade quando dizem que com fé, fazemos coisas que julgamos impossíveis.

Viu a cor da noite, amarela pela luz das velas, transformar-se em algo azul e vermelho ao longe. Rezou com ainda mais fé para que ao menos chegasse o fim de sua jornada. Que pudesse subir as escadas e ajoelhar-se aos pés da santa. Não estava tão longe, não havia corrido tanto para não cumprir a sua promessa. Desesperada, pedia apenas para que provasse sua inocência aos olhos daquela que tanto venerava.

Até hoje não sabem se foi sorte ou milagre quando aquela garota, tropeçando e esfolando os joelhos nas escadarias da Igreja conseguiu chegar ao seu destino. Agarrou-se com tanta força à imagem que os policiais acharam difícil soltá-la dali. Mas todos com certeza sabem que foi um milagre quando a garota desapareceu 3 dias depois em sua cela.