Ave Sonora - Parte II
"Ave sonora vamos embora
Que a gaiola da nossa viola abriu cancelas
Ave sonora saiba que agora
Não a bodoque que nos coloque com quatro velas"
João Chagas Leite - Músico Gaúcho
Acordou com uma terrível dor de cabeça.
O lugar era úmido e exalava um cheiro desagradável. Um silêncio fúnebre tomava conta do ambiente. A ventilação era proporcionada apenas por uma janela minúscula que ficava em lugar muito mais ao alto do que um grito de Clara pudesse alcançar. E mesmo que alcançasse, a certeza de uma morte anterior ao socorro era iminente.
Era verdade, ela fotocopiava notícias sobre o governo e distribuía na faculdade. Era verdade, estava bem interessada na vida do presidente Médici. E também era verdade o que ela não queria acreditar: a mãe tinha razão. Havia sido pega pelo Departamento de Ordem Política e Social.
Mas era tarde demais para pensar nisto. Não conseguia nem imaginar o que a esperava lá dentro.
Um rato passou pela frente da porta, grande, pesada, de ferro enferrujado. A única abertura era uma fresta horizontal, de onde, se alguém espiasse ali para dentro, ela veria apenas os olhos.
Olhou para a minúscula janela e percebeu que se um dia chovesse, molharia tudo, pois era protegida apenas por uma grade.