A velha Margareth - parte II
Ela olhou a sua volta. Prendeu os cabelos desarrumados, tomou um copo de água, e pôs seus sapatos mais antigos, e mais confortáveis.
Saiu no inicio da noite com o bebê de dois meses dentro da bolsa, como se fosse um objeto qualquer. A criança dormia, e como se soubesse seu destino, continuou dormindo. Ana havia acabado de amamentá-la. Era a hora que mais odiava, mais ainda que acordar de madrugfada com seu choro.
Ana percorreu boa parte da cidade. Metade de ônibus, a outra metade a pé. Por duas vezes pensou em voltar para casa, mas era tarde demais. Não arredaria pé.
Chegou no depósito de lixo. Abriu a bolsa e tirou sua filha de dois meses de idade, cobrindo-a com uma manta, não para protegê-la, queria era esconder aquela criança indesejada. Ana evitou olhar para o bebê, que acordara de repente. Abandonou Maria Clara ao relento e foi-se embora.
Voltando para casa, pegou seu celular e fez uma ligação a cobrar.
-Fala Ana - disse o homem.
-Eu fiz Marcelo, eu fiz - disse Ana, chorando.
-Matou a crioulinha?
-Claro que não. Ela é minha filha, é nossa filha.
-E quem garante?
-Desgraçado - vociferou Ana.
-Qual é, Ana - riu Marcelo - Tu se deitou com o Zé do bar, que eu sei. A garota nem se parecia comigo.
Ana engoliu o choro, respirou fundo, e perguntou:
-Tu vai voltar pra casa?
Marcelo soltou um longo suspiuro.
-Tô feliz aonde eu tô.
-Você prometeu, Marcelo. Se eu me disse que se eu me livrasse da menina você voltava pra casa. Eu te amo, homem, você é minha vida.
-Então eu devo valer muito pouco mesmo hein - disse com deboche - Vou pensar ana, vou pensar, me liga fim de semana.
A ligação caiu.
Ana saltou do ônibus e chegou em casa. Tomou um banho gelado, pensou em Marcelo, pensou na filha. A dor no peito era saudade, mas não sabia dizer de quem.
Quando se deitou na cama, Ana soltou um grito.
-Oh, meu Deus!
O corpo de Marcelo estava deitado sobre a cama com uma faca cravada no peito. O homem estava morto. Ao seu lado havia um bilhete. Com as mãos suando, Ana leu: "Ele voltou pra casa, finalmente"
Sentiu uma mão apertar-lhe a garganta. Ana se debateu, mas logo perdeu os sentidos. Quando acordou, estava sobre uma cadeira, a polícia estava em sua casa. O delegado aproximou-se dela.
-Senhora, queira nos acompanhar.
-O que houve? Meu Deus, o que houve?
-A senhora matou seu amante - disse o delegado com simplicidade - Isso é o que houve.
-Não, não fui eu - desesperou-se - Eu juro!
O delegado pôs-lhe as algemas.
-Luis, venha cá - chamou o delegado - Leia os direitos dessa infeliz.
Augusto viu Ana ser levada até o carro da polícia. Os peritos tiravam fotos da casa e preparavam-se para retirar o corpo de Marcelo. Augusto pegou seu telefone celular:
-Senhora Margareth?
-Augusto, meu querido - disse a velha Margareth um tanto rouca - Desculpe pela voz, mas acabei de voltar da minha aula de canto lírico.
-O homem está morto, senhora. Chamava-se Marcelo Fagundes da Silva. A mulher está sendo presa - Augusto resmungou - Teria sido melhor matá-la de uma vez.
-Não seja injusto - disse Margareth - Marcelo mandou matar a menina, então mereceu morrer. Mas Ana gostava dela, e os 15 anos que passará na prisão servirá para que ela pense no que fez.
-Como queira, minha senhora.
-E quanto ao bebê?
-Nós a entregamos num hospital de freiras, como a senhora pediu.
-Que ótimo. Agora, por favor, venha para cá, Augusto. Domingo é dia de eleições, temos alguns candidatos a visitar.
-Pois não, minha senhora.
Augusto guardou o celular, passou pelos carros da polícia e desapareceu na esquina.
Danielfaraó