LENDAS BRASILEIRAS. LIA LÚCIA DE SÁ LEITÃO – 21/09/2010
ADAPTAÇÃO POR LIA LÚCIA DE SÁ LEITÃO – 21/09/2010
NORDESTE.
A PRATA
A região do Brasil mais conhecida na época do descobrimento era o litoral nordestino. Ali naquelas terras as negociações com os índios eram mais freqüentes e as derrubadas dos quintais de pau Brasil também. O Rei de Portugal nem se preocupava com as novas terras descobertas, seus vassalos ainda não haviam encontrado ouro. Só escreviam para o Rei narrando as terras de bons ares, com muita água e planas exóticas, naquele momento só serviam para plantar e isso era investimento, dinheiro dos cofres portugueses.
Na verdade o Rei queria encher seus cofres de ouro e não investir em plantações. O Rei de Portugal foi sabido, abandonou por uns tempos as novas terras descobertas até que alguém sugeriu que o Rei entregasse em Capitanias Hereditárias toda a Terra de Santa Cruz para os seus vassalos e nobres que consumiam altos soldos causando um défict econômico e de certo modo causava mal estar entre a Coroa portuguesa e seus fiéis soldados e nobres guerreiros pela ônus e falta de pagamento. O Rei convocou esses homens, guerreiros do mar e disse, lá, do outro lado do Oceano tem terras sobrando, posso passar para vocês com algumas condições, quero que vocês cuidem da terra e plantem, domem os índios e povoem, comercializem peles de animais e os quintais de pau brasil, mas os metais preciosos e as pedras preciosas que encontrarem são minhas além de um pequeno imposto que deixo como ajuda para o reino e para a Igreja.
Os homens concordaram, muitas Capitanias ficaram sem seu Donatário, mas a de Pernambuco, Bahia e São Vicente prosperaram, aqueles homens eram fortes e engenhosos, astutos e com sede de riquezas. O Reio cobrava ouro, prata, e pedras preciosas e esses homens respondiam ao rei, temos o ouro verde, a cana de açúcar de muito bom gosto no comercio europeu, e o Rei se acalmava.
Um dia, uma expedição foi ao Sertão fazer o reconhecimento do terreno e procurar ouro, prata ou pedras preciosas para o Rei, na verdade nada encontraram naquela região hostil embora bela, verde, com florestas tropicais, bichos exóticos, índios brabos e água com fartura. A comitiva constava de um bando de exploradores sem Rei nem Lei e um padre sem caráter, as más línguas diziam que nem era Jesuita e muito menos Dominicano aquele homem que estava ali enganando as almas, era um ladrão em pele de cordeiro.
Certo dia, exaustos porque nada encontrava que fizesse o Rei de Portugal dar um brasão de Barão a eles resolveram criar uma historia de trancoso.
Combinaram em dizer que o Santo da expedição que tinham levado para a proteção foi jogado em um rio para trazer fartura de peixes porque o comboio estava com muita fome e como o santo era pesado afundou rapidamente nas águas transparentes do rio Parnaiba. Os homens esperaram à beira do rio horas pelos cardumes de peixes e nada. Resolveram então esperar mais um tempo e nada! Dois homens resolveram pular na água e procurar a imagem do santo para jogarem em outro local. Pularam na água e a poucos metros encontram o santo em pé numa gruta, mas nada de peixe, eles removeram o santo e voltaram para a terra. Levantaram acampamento, caminharam margeando rio acima e fizeram o mesmo, jogaram o santo nas águas e ficaram esperando os cardumes, nada de peixe, mais uma vez os homens mergulharam e viram o santo numa gruta, resgataram-no e o trouxeram para a terra firme, os homens da tropa já estavam com muita fome quando o chefe falou que voltaria ao litoral, pois a abundancia de comida era maior. Com muita raiva do santo o padre amarrou a imagem de cabeça para baixo deixou pingar até a última gota de água do rio, deixou o santinho no Sol até secar e tocou fogo na imagem, uma heresia.
Os homens iniciaram nova marcha para o litoral, sem olhar para trás partiram e o calor do sol foi aumentando de tal forma que se alastrou um fogareu pela mata, os animais e os índios tiveram tempo de fugir, mas o fogo era tamanho que queimou árvores enormes, campinas, matas, e assim foi se alastrando e queimando tudo e secando barreiros e riachos. Até o rio secou. Os peixes infelizmente morreram assados pelo calor e centenas de anos depois, quando foram colonizar o Sertão os portugueses viram que uma árvore não tinha queimado era aquela que o santo estava de cabeça para baixo, um homem retirou as cordas que amarravam o santo e construiu um altar tosco, começou a procurar um meio de erguer uma Igreja, mas o terreno era muito seco, o homem não desistiu e cavou com as próprias mãos a terra e encontrou uma pedra que brilhava e dela brotava um filete d’água, o homem se esforçou, trabalhou e pediu ajuda aos outros homens e todos logo construíram uma Igreja para o santo e assim o santo agradecido mostrou aqueles homens a primeira mina de prata do sertão, que hoje conhecemos como Piauí.
A GARAPA DA CANA E A CACHAÇA.
ADAPTAÇÃO DE LIA LÚCIA DE SÁ LEITÃO.
Passava pela Zona da Mata pernambucana um Padre milagreiro, desses que todo mundo vai ouvir suas palavras e sermões, nunca sai de uma localidade sem ter no bolso uma reserva de dinheiro para fazer o bem aos pobres ou construir Igrejas. A história não fala em seus anais, mas no Brasil teve uma época, logo no inicio da colonização que os padres além de catequizar os índios também formavam pequenos núcleos sociais com os brancos portugueses e fundavam pequenas congregações de pessoas, depois cresciam para vilarejos e mais pra frente em pequeno distrito e assim o tempo se ocupava em aglomerar mais e mais gente formando uma cidade. Toda cidade tem que ter uma Igreja, e os padres não poupavam pedidos nem trabalhos.
Esse padre saiu em busca de donativos dos ricos Senhores de Engenho que utilizavam as plantações de cana de açúcar com a única finalidade, comercializar a bons preços a guloseima do açúcar temerara na Europa que era o seu maior consumidor. O açúcar era um luxo das mesas ricas e nobres da Europa. O açúcar logo se alastrou para todas a sociedade, quem não podia comprar açúcar branco, comprava um mais creme, quem não podia comprar o mais creme comprava o temerara que era o mais escuro e quem não podia comprar o temerara comprava o mascavo que era o mais escuro de todos e nem por isso deixava de ser o mais saboroso.
O europeu gostava daquele sabor, e enriquecia os cofres dos Barões brasileiros.
Um dia de sol muito quente o Padre foi até a fazenda de um rico Barão mas, calculou a distancia errada e foi obrigado a parar debaixo de uma enorme árvore, um juazeiro e descansar, parado, cavalo pastando próximo, ele deu um leve cochilo, sonhou que podia cortar uma cana daquelas, descascá-la e chupar em bagos redondos, mataria a sede do momento e refrescaria o calor. O Padre levantou-se num pulo e fez tudo certinho como no sonho, mas durante o tempo em que chupava aquele sumo teve a idéia de espremer numa pedra e coar dentro do cantil aquele líquido e assim o fez, quando tomou razão o padre estava com vários depósitos cheios de suco, um suco que ele abençoou e chamou de garapa pelo doce e pela cor da cana. Agradeceu aos céus aquela idéia e isso o levaria a angariar mais e mais dinheiro para construir a Igrejinha da cidade. Apressadamente o Padre montou em seu cavalo e partiu para a casa do fazendeiro para divulgar sua descoberta, correu para pedir autorização do barão para negociar tão refrescante líquido, a garapa da cana.
O feitor da fazenda ouviu todo o relato que o padre fez ao barão, saiu sem ser percebido, chamou uns escravos e foram até o canavial, colheram braçadas e braçadas de cana mas não sabiam como moer para dar o caldo refrescante da garapa, largaram as canas ali mesmo por uns dias, até que um negro malandro convidou a namorada para fazer bobices no canavial, mas a intenção dele era outra, queria mesmo botar a moça para ficar mexendo com uma colher de pau enorme a garapa azeda e ferver dentro do tacho, deixar esfriar e vê no que ia acontecer. A moça perguntava pro negrinho sem vergonha, e quando vai ser a bobiça? E ele respondia logo logo; assim que esse caldo azedo virar uma borra no tacho e cair uma água puramente ardente. A moça mexia o tacho, ele se deleitava a cada golada que experimentava, até que numa hora o negrinho mandou a moça parar, fechou o tacho com tampa e foi namorar, namorou, beijou e chamegou e fez saliência até o dia clarear, quando aquele caldo esfriou, ele bebeu um gole e de tão bom quase cai pra trás, começou a cantar, dançar e beber até que sentiu a cabeça zunir, o chão se abrir, estava bêbado igualzinho quando bebia o cauí dos índios. Ele correu para os amigos, escondeu a bebida e disse: todo dia aqui na senzala tem festa, vamos tomar cachaça de cana.
É por isso que nas quermesses das Igrejas dos interiores tem caldo de cana para os bem comportados e beatos e para os mal comportados, no pátio tem cachaça para alegria dos arrasta pés e fandangos, samba de latada que matava a saudade da alegria das terras distantes da África.
A LENDA DE MARABÁ QUE TRANSFORMOU-SE EM LUA
ADAPTAÇÃO DE LIA LÚCIA DE SÁ LEITÃO
Faz muitos anos, lá na época do descobrimento do Brasil e os índios andavam livre por todos os lados de Pindorama, uns nadavam no mar, outros nos rios, uns pescavam no mar outros nos rios, uns moravam bem pertinho do mar outros nas matas mais longínquas, mas todos se davam por satisfeitos, não tinham hora pra trabalhar, comer, brincar, dançar, caçar, cantar, os índios só tinham um momento que nenhum deles de perto ou de longe, do Norte do Sul. Nenhum deles se atreviam a não obedecer cegamente o cacique fosse de qual tribo, Tupi, Guarani, Goitacases, Caetés, Pataxós, Xavantes, Yanomami, Funiô, Tupinabá.
Todo esse suspense é para revelar que nenhum índio saia de sua maloca depois que o Sol se punha no horizonte, durante a noite a escuridão era perigosa e causava pânico aos mais novos e medo aos mais velhos, a explicação eram os bichos selvagens que faziam corrida no pátio das aldeias, as cobras que sibilavam, os escorpiões que faziam um barulho esquisito, as onças os caititus passavam em disparada guiados pelo curupira, os pios das aves noturnas e os morcegos vampiros não davam tréguas.
Mas a notícia se espalhou rápido desde os índios das costas de Pindorama quanto os da selva que existia uma índia muito bonita e diferente, ela era branca, seus cabelos eram dourados e seus olhos esverdeados como as águas do mar, nenhum índio queria namorá-la pela sua beleza sem igual e não tinha nenhuma amiga índia porque todas as moças da tribo tinham inveja de sua pele, do seu corpo esbelto e dos cabelos sedosos. Ela vivia solitária e sem ter companhia resolveu passear a noite, aonde todos viam perigosos monstros ela encontrava amigos suaves e sinceros.
Um dia a índia encontrou um jovem que também era desprezado pela tribo porque era o mais atrasado de todos os caçadores, o menos robusto de todos os nadadores, e o mais desqualificado dos atiradores de arco e flechas. Ele também tinha o costume de vagar pela noite, certa feita se encontraram nas areias brancas da praia de Pajuçara em Alagoas, conversaram e chegaram a marcar um novo encontro na lagoa de Mundaú, cada um contou suas mágoas e assim se tornaram amigos, desde esse encontro todos os dias eles saiam da aldeia para conversar.
A inveja é um sentimento pobre e vil, que faz as pessoas cometerem os maiores erros da vida, e assim aconteceu, uma índia feia e mais morena, enciumada daquela amizade saiu à noite e como não enxergava um palmo de terra caia entre os buracos, pisava em espinhos, era alvo dos morcegos vampiros e das aves noturnas que lhes puxavam os cabelos despenteados. Tomada pelo ódio de não ter encontrado os dois amigos, mas ter se machucado e por fim estava com urticárias devido a um tombo numa moita cheiinha de urtiga braba voltou indignada para a tribo, mas não se acomodou. Logo que o dia amanheceu a índia feia foi conversar com uma cobra cascavel e pediu para que a cobra mordesse o calcanhar da índia bela, prometeu àquela cobra um ninho bem bonito para ali deixar suas cobrinhas sem serem molestadas. A cascavel aceitou o pacto e foi ficar de tocalha para quando a índia bonita atravessasse o caminho ela morderia e injetaria todo seu veneno de modo que não teria cura.
Escondeu-se e lá vinha o som dos passos, era a índia bonita, a cascavel armou-se e deu o bote certeiro, mas na noite anterior seu amigo índio deu de presente um par de conchas para calçar os pés e não machucá-los nos passeios noturnos e as conchas serviram de proteção naquele ataque mortal e a cascavel perdeu as suas presas. A índia bonita penalizada com a situação da cascavel, pegou a cobra nos braços e perguntou porque aquele ataque gratuito, e a cobra então lhes contou a verdade: aquela índia feia e de cabelos desgrenhados que odiava a índia branca porque era a mais bonita de todos da tribo resolveu exterminá-la.
A índia bonita ficou meio triste com aquela revelação, mas levou a cobra no pajé e pediu para curar as suas presas que haviam quebrado na concha que calçava os seus pés, o Pajé atendeu e a cascavel ficou curada e amiga da moça.
Marabá ficou pensando em como ajudar o seu povo a não temer a noite, olhou a sua pele branca e pediu a Tupã que a deixasse ser um astro que refletisse luz clara na noite para seus irmãos não sentirem mais medo da noite que até aquele dia não tinha lume. Tupã compadecido com o sofrimento daquela índia que desde criança foi rejeitada pela tribo cedeu a seus apelos.
Marabá convidou todos os bichos da noite para ajudá-la a construir uma corda trançada e pediu ao corujão que amarasse aquela corda do outro lado da Terra e que rodasse com toda força para nunca mais parar de girar ao redor de Pindorama, e assim fez o corujão. Marabá subiu, subiu, subiu pela corda e quando estava lá em cima muito depois das nuvens pediu a Tupã que a transformasse num astro redondo e cor de prata, Tupã mais uma vez aceitou a proposta da moça e a transformou na Lua.
Todos da tribo sentiram a falta de Marabá, mas seu amigo disse a todos que olhassem o céu que ela agora não seria mais chamada de Marabá e sim de Lua e na mesma noite todos saíram de suas malocas e olharam o céu que tinha lá no alto uma Lua linda, cheia e prateada clareando o pátio da aldeia. Os índios não tiveram mais medo da noite, todos dançaram e sorriram diante daquele mistério revelado e passaram a cultuar a Lua toda vez que ela aparecia redonda no céu.
A índia escura, feia e de cabelos desgrenhados, sem nada poder fazer, a cascavel encontrou-se com Tupã que tinha descido na aldeia para ensinar os índios a pescarem durante a noite de Lua e revelou a Tupã que Marabá escolheu ser Lua porque aquela índia feia e má fez todos da aldeia desprezar a moça, Tupã com raiva transformou aquela índia numa formiga preta e venenosa que vive debaixo da terra cavando túneis e trabalhando sem descanso.