O homem de Lugar Nenhum

A Felicidade eterna havia se tornado um álbum de fotografias. Ontem a casa abrigava uma profusão de tumultos infantis, despidos de motivo e de maldade. Hoje o silêncio dominava canto por canto, com uma resistência opressora que somente a tristeza pode operar.

Ele havia construído a casa com as próprias mãos. Se afeiçoou a cada parede. Agora sentia-se um intruso dentro do próprio lar. Seu espírito invertebrado não suportava tamanha cruz. Para que o mundo pesasse mais um pouco, resolveu sair.

Aos tropeços caminhava pelas calçadas. A pressa que o contagiava era par perfeito para a falta de destino. A cidade lhe sorria com dentes tortos. Naquele mundo de versos irregulares, nada rimava com ele.

Avistou uma praça vazia e para lá se dirigiu. Sentou numa escadaria suja e deixou que sua solidão se dilatasse. Depois de algum tempo concluiu que seria lógico esperar por uma salvação, e a isso agarrou-se, esquecendo que algumas das mais belas tragédias carecem de lógica. Esperou, mas a salvação não veio. Estava fadado a morrer num degrau tão imundo que nem o maior dramaturgo já existente ousou um dia imaginar.

R A Ribeiro
Enviado por R A Ribeiro em 20/09/2010
Reeditado em 12/09/2013
Código do texto: T2510268
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