O homem de Lugar Nenhum
A Felicidade eterna havia se tornado um álbum de fotografias. Ontem a casa abrigava uma profusão de tumultos infantis, despidos de motivo e de maldade. Hoje o silêncio dominava canto por canto, com uma resistência opressora que somente a tristeza pode operar.
Ele havia construído a casa com as próprias mãos. Se afeiçoou a cada parede. Agora sentia-se um intruso dentro do próprio lar. Seu espírito invertebrado não suportava tamanha cruz. Para que o mundo pesasse mais um pouco, resolveu sair.
Aos tropeços caminhava pelas calçadas. A pressa que o contagiava era par perfeito para a falta de destino. A cidade lhe sorria com dentes tortos. Naquele mundo de versos irregulares, nada rimava com ele.
Avistou uma praça vazia e para lá se dirigiu. Sentou numa escadaria suja e deixou que sua solidão se dilatasse. Depois de algum tempo concluiu que seria lógico esperar por uma salvação, e a isso agarrou-se, esquecendo que algumas das mais belas tragédias carecem de lógica. Esperou, mas a salvação não veio. Estava fadado a morrer num degrau tão imundo que nem o maior dramaturgo já existente ousou um dia imaginar.