Entre Presépios e Presepadas

Quarta passada, dia 6 de janeiro, passei na casa de Cláudia, minha irmã. Ela tava terminando de desmontar o presépio e a árvore de natal. Até que não deu trabalho, a árvore de natal era feita com algodão ao redor de uma galha seca... Tenho mais com o que gastar, não vou comprar uma árvore de natal só pra colocar na minha sala. Ainda não tenho filhos e essa história de papai Noel... hum, hum! Só se ele morar no Acre, pois ninguém vê esse cara.

Falando nisso, esse natal de 2009 foi um desmantelo só! Reunimos os amigos e parentes mais próximos e fomos jantar na Cabana da Lua. Bom, aqui em São Luis de parente só tenho minha irmã. Meu cunhado não é parente, mas aderente. Se cunhado fosse coisa boa, não começava com “aquela” sílaba.

Eu até fiquei encabulado com essa de Nelson, meu cunhado. Ô cara canhenga! Mas depois, pensando bem, bonitinho das tapiocas como ele é, e somando a preguiça de Cláudia, por não querer lavar as louças sujas durante a ceia de natal, acabei entendendo porque fomos ao restaurante.

Véspera de natal, estávamos todos lá: amigos, colegas e pessoas de casa, e o lugar tava todo iluminado e decorado, tudo muito granfino. Não demorou pra que todos se emburacassem no espírito natalino.

Entre comes e bebes, ouvindo aquelas tão surradas musiquinhas de corda fina pelos autofalantes de lá, de repente:

– Senhores e senhoras, muito boa noite! Em nome do Restaurante Cabana da Lua, nós da direção queremos lembrar a todos que já são quinze pras doze. Já é quase natal, blá-blá-blá...

Depois daquela enrolação básica, depois de desejar os mais belos votos a todo homem e mulher, foi anunciado que tinham convidado especialmente “O Papai Noel” em pessoa pra animar a noite. Percebi um velhinho de estatura média, usava peruca de cabelo branco enroladinho e uma barba falsa. Mas era bem vistoso o bigode de rabo de andorinha que o Noel esbanjava. E logo o “bom velhinho” foi dizendo:

– How, how, how! Boa noite! Já estou quase pra desejar a todos um feliz natal, mas agora como vocês podem ver, eu estou sem nenhum presente. Vejam.

Esse papai Noel era um pouco cabuloso. Ao invés de saco ele carregava um cofo. E o cofo estava mesmo vazio! Então ele propôs uma brincadeira pra descontrair. Tudo muito diferente e inusitado:

– Vou passando de mesa em mesa, com meus olhos vendados, e cada um de vocês vai colocando no cesto as suas jóias, relógios, cordões, anéis, colares, pulseiras, enfim... Mas por favor, não coloquem dinheiro. Qualquer coisa, exceto dinheiro. Depois eu volto aqui pra frente, enfio a mão aqui dentro (do cofo, é claro!) e devolvo todos os objetos, cada um pra seu legítimo dono.

Foi aí que um neguinho invocado que tava lá no fundo deu um esparro:

Má i’se o siô errá? Vais pegar as jóia tudo de olho fechado!?

Uhum! Se eu errar eu vou pagar quinhentos paus toda vez que eu entregar a peça errada, além de devolver a certa depois. Podemos combinar assim? – respondeu o Noel.

I’o diêro? Quêde? – perguntou outra vez o cara lá do fundo.

Aí o papai Noel chamou sua assistente, uma nêga toda arrumada, vestida no melhor estilo “assistente de palco”, numa roupinha tiquim de nada! Por um momento pensei já ter visto ela em algum lugar.

Éeeeeeeeeeeeeeeeeegguuuuaaaaasssssssssssssss!!! – gritou outro.

Foi quando a mulher tirou de uma bolsa um calhamaço assim de dinheiro. Todas novinhas, parece até que saíram da Casa da Moeda naquela hora. Na sequência, o seu Noel foi recolhendo mesa a mesa os objetos e colocando-os no cofo com todo o cuidado. Foi indo com o auxílio da ajudante, pois estava com venda nos olhos.

Quando passou na nossa mesa, a única jóia que Nelson e Cláudia entregaram foi as alianças de ouro. Eu entreguei um relógio analógico. Era a única coisa que tinha de mais valor. Quando ganhei de presente, me disseram que era a prova d’água. Mas ô, lamiré! Uma vez caiu o pino quando fui lavar minhas roupas, e o relógio despencou dentro do balde. Tive que deixá-lo uns três dias dentro da farinha seca pra ver se melhorava. Depois que terminou a tarefa, o velhinho do natal voltou lá pra frente e tirou a venda:

– Bom, negada. Essa é a prova dos nove! E foi metendo a mão no cofo. Tirou um cordão de ouro. “Será de quem é esse?”, disse ele com aquele ar meio saliente. Saiu procurando no meio do magote e lá pro fundo virou-se pra uma senhora muito elegante:

– Este cordão é seu, madame!

Os mais pra frente já foram logo levantando e aplaudindo. Mas logo a senhora levantou arreliada e:

– Não, não e não! Essa jóia não é minha. Quero os meus quinhentos reais – e a dona em questão foi aclamada de pé:

– Pagaaaa! Pagaaaaaaa!!!

Aquele silêncio. Só faltou uma musiquinha de suspense. O papai Noel da Cabana sinalizou com a cabeça pra a loira e quase que sincronicamente puxaram cada um uma arma do bolso. Aí neguinho trancou mesmo! Não passava um melãozinho de São Caetano pelo boga.

– Eu tô nervoso, não quero estragar o natal de ninguém – disse o não mais bom, mas agora mal velhinho. - Pode todo mundo se acomodar aí e não quero ouvir um piu!

Foi aí que me toquei de onde conhecia aquela nega. Tem um ponto perto da feira que quando a tarde vai indo embora, lá se vem aquelas catiroba tudo fuleira rodar bolsinha na esquina. Fitei bem a arma dela e vi que parecia com aquelas vendidas na banca do seu Genival, lá na feira. Se fosse mesmo de brinquedo, o esquema era dar conta do Noel, e fiquei matutando um plano, já que tava todo mundo trancado. Como eu tava mais um pouco defronte, aproveitei um segundo de distração dos dois e na primeira de copas levantei zilado, dei um salto de quase dois metros e me estatelei com o velhinho no chão.

– Morreu, labigó!

Se não fosse a roupa com enchimento que ele tava usando pra parecer mais gordo, acho que ele teria quebrado umas duas costelas. No mínimo. Foi um fuá daqueles!

Isso tudo bem na hora que começou uma música bem forte, e o dono do restaurante já foi logo tratando de esclarecer que tudo não tinha passado de uma boa brincadeira, era só encenação, tudo combinado, que era só pra diversão de todos etc e tal. Aí já foi logo todo mundo se levantando, alguns aplaudiam, outros ficavam só marocando dali. O velhinho levantou com uma dificuldade, eu tava todo sem graça ajudando ele. Aí a morena pegou o cofo e foi devolvendo as joias uma a uma pros seus donos...

Nesse furdunço a peruca do papai Noel havia caído e a barba que já estava lá pelo meio do pescoço terminou de ser arrancada por ele. Ficou naquela cabeça já quase sem cabelo, do senhor branco meio vermelho, apenas o bigode de rabo de andorinha. O tal velho tirou do bolso de trás um pequeno estojo, onde estava seu óculos. Enquanto ele colocava o óculos na cara eu fui tratando de sair de fininho...

– É o Sarney! – gritou um cara, de lá do fundo.

– É ele mesmo, é o Sarney! Ói, ói! – já gritou outra pessoa dali.

E os mais velhos e velhas já foram logo todos afoitos pra cumprimentar aquele "herói nacional", idolatrado, salve-salve! As criancinhas logo começaram a chorar porque disseram que o papai Noel era o Sarney.

Hen-heim!

E fui saindo por ali, sem graça. Nem deu tempo de remendar todo esse desmantelo. Quem sabe depois não mando um pastelzinho de camarão com palmito pra ele?

Na saída uns pequenos salientes ficavam mangando de mim, outros me cumprimentavam com a cabeça. Ora, modéstia às favas, entre presépios e presepadas eu até que me sai muito bem no papel de coadjuvante da cena. E mais um motivo pra não acreditar no natal: pura estratégia comercial!

Foi aí que um pequeno me puxou pela camisa e disse já ter cerca de quatro anos que sempre pede um caminhãozinho de bombeiro pro papai Noel e nada. Por isso ele achou muito massa eu ter lascado o papai Noel. E me pediu pra que eu desse pra ele esse caminhão de presente, já que o Noel nunca realizou seu desejo.

Deixe estar, pequeno infarento! Se você tiver sorte, numa noite qualquer dessas que você estiver dormindo sua casa vai pegar fogo. Assim terá todos os caminhões de bombeiros que sempre desejou!


Jorge Armando

(Jorge Armando é personagem do livro Crônicas de uma vida crônica, de autoria de Darcicley Lopes. Mais informações: http://dirmantelado.blogspot.com)

*Contos maranhenses