ANJO MOLHADO

ANJO MOLHADO

Em tempos passados, quando morria uma criança, todo um cerimonial era preparado e era bem diferente dos preparos feitos para um adulto; como não se conhecia urnas de madeira, o caixãozinho mortuário era feito sob medida por algum marceneiro habilidoso e era uma armação caprichada de madeira, recoberto com cetim branco.

Se o falecidinho era pobre, o tecido usado era um morim barato e a decoração era toda com galões de algodão, mas se morria o filho de um rico, era um luxo só: cetim branco forrava a armação e rendas valencianas finíssimas eram usadas com fartura nos enfeites, entremeados com rosinhas de cetim colorido; parecia que pobres e ricos eram diferentes.

As crianças de toda a região da Vila de São João, eram convidadas para o velório e o enterro e compareciam todas, não pelo falecido mas pelos agrados que se seguiam: durante o velório, sanduíches e sucos de frutas eram servidos o tempo todo e durante o sepultamento as crianças jogavam pétalas de flores no caixão e cantavam cantigas.

No portão do cemitério, quando todos se retiravam, as crianças presentes recebiam grandes cartuchos enfeitados e cheios de balas e docinhos, acompanhados de bolas para os meninos e bonecas para as meninas, mas essas mordomias só aconteciam em enterro de menino rico, porque os pobres ofereciam um doce ou bala para cada criança.

Terminadas essas cerimônias que eram quase uma festa, a família enlutada ia para sua casa para chorar a perda do anjinho, porque não se dizia mortinho e sim anjinho e choravam pelos sete primeiros dias do luto e depois da missa de sétimo dia se acalmavam e a vida voltava a normalidade, porque chorar depois do sétimo dia dava azar.

O azar era para o anjinho, que teria suas azas molhadas e não voaria para o céu; era uma das muitas crendices daquele povo simples, mas dona Lídia não conseguia parar de chorar pelo seu anjinho e as comadres levavam chás calmantes pra ajudar a senhora secar as lagrimas, e diziam: calma comadre Lidia, anjo molhado fica vagando, não chore.

Nada consolava aquela triste mãe, até que uma noite ela acordou com um anjo todo molhado na beira de sua cama; assustada ela perguntou quem era ele e recebeu a seguinte resposta: sou seu filho mamãe, suas lagrimas estão pesando minhas azas e ainda estou preso aqui na terra, porque não consigo voar para o céu; dessa noite em diante ela não mais chorou e no céu apareceu mais uma estrela.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 17/09/2010
Código do texto: T2503414
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