NAS  TARDES  TROPICAIS . . .

Ouve-se em fundo um bolero transmitido pela rádio.
Odete está sentada numa cadeira de vime na varanda da casa colonial onde vive desde que casara com o Chefe Martins.
É uma casa rodeada de grandes varandas onde os vasos de gerâneos estão cobertos de flores já abertas. Há-os também de fetos e avencas mas estes estão pendurados do tecto para que a folhagem possa cair formando uma renda verde e sempre em movimento com a brisa morna que se faz sentir.
O chão da varanda e assim como o da casa é em cimento preparado com um pó vermelho que foi colocado sobre ele ainda molhado o que lhe dá uma bonita tonalidade de tijoleira. Depois de colocado o pó, o cimento foi alisado até ficar com o aspecto de cetim. Pode depois encerar-se ficando um espelho.
Odete gosta particularmente da varanda. Ali se senta a ouvir a música que vem do grande rádio que está na sala de estar e que o marido sintoniza de modo a que não apanhe estática.
Com ela tem sempre algo que poisa numa mesinha também ela de vime: a renda, um livro, uma peça de roupa para arranjar...
Já tem a casa arrumada e as refeições orientadas.

Ao som do bolero recosta-se, fecha os olhos e recorda... Recorda os breves anos da sua juventude, o namoro com esse jovem que a abordou à saída da Escola Comercial e que ela amou desde a primeira vez que o viu... Os preparativos para o casamento, os olhares de inveja das amigas e colegas...
No regaço tem esquecido o romance que lia...
Recorda-se dos sonhos que tiveram de criar uma grande família e da decepção quando souberam que não haveria crianças nesta casa... Os dias de dor quando repentinamente tivera de ser operada e ficara estéril... O afastamento gradual do seu marido, roído pelo desgosto mas sem coragem para sugerir o divórcio... Os casos que ele tinha e que ela acabava por saber porque havia sempre alguém que lhos contava...
De tudo ela se recordou enquanto o bolero era a sua única companhia naquela tarde tropical...
Reprime a vontade de chorar. Não vai chorar agora que são quase horas da chegada desse estranho em que se transformou o marido. Já nada têm em comum. Quase não falam um com o outro.

O bolero acabou e ouve-se a voz do locutor mas ela não lhe presta atenção.
Está com 37 anos e começa a sentir que a vida lhe foge... Não tardará está velha... A farta cabeleira castanha está já com uns fios prateados e à volta dos olhos há pequeninas rugas... Depois da operação engordou um pouco o que lhe arredondou as formas. Não gosta de se sentir assim mas não consegue voltar ao peso anterior.

Absorta que estava nem reparou que parou uma carrinha no caminhozito que levava à varanda. Só quando lhe deram as boas tardes reparou que não estava sozinha. Faz menção de se levantar mas um gesto fê-la continuar sentada.
Apresenta-se o recém-chegado como sendo colega de Escola do seu marido e que o procura. Vem de viagem e soube que o Chefe dessa povoação era o ex-colega que pretende cumprimentar.
Diz-lhe Odete que não tardará a chegar e convida-o a sentar-se o que ele fez.

Sente-se afogueda... Deve ser do calor da tarde, pensa ela. Mexe e remexe no livro sem saber o que fazer com ele... Está confusa, atrapalhada. Não está habituada a ter desconhecidos sentados na sua varanda...

Do rádio chega-lhes um tango.

Ele levanta-se e pergunta se ela dança e, sem que desse conta, está a dançar com um desconhecido na sua varanda nessa tarde morna, tropical.

Olha o desconhecido nos olhos e vê uma ternura que há muito não via... Um frio aloja-se-lhe no estômago e toda a solidão desses longos anos fazem as lágrimas que ela reprimira, brotarem como torrentes do rio que era a sua alma. Não soluça, só as lágrimas a correrem.
Ele enlaça-a mais de encontro a ele e diz-lhe ao ouvido que ela é a mulher mais bela que ele já conheceu na vida. Beija-a na testa e leva-a até à cadeira de vime onde a ajuda a sentar. Pega-lhe nas mãos e beija-as, dá meia-volta e desce da varanda em passos arrastados. Mete-se na carrinha, faz marcha-atrás, sai do caminhozito, inverte a marcha e vai-se embora...

Será a recordação deste desconhecido que a faz sonhar e sorrir nas tardes tropicais?

Beijinhos,
Teresa Lacerda
Enviado por Teresa Lacerda em 16/09/2010
Reeditado em 17/09/2010
Código do texto: T2502647
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