O bastardo

O BASTARDO

DURANTE TODA MINHA INFÂNCIA, BUSQUEI INUTILMENTE SABER DE MEUS FAMILIARES QUEM ERA MEU PAI; AFINAL, EU TINHA QUE TER UM! ENTRETANTO, POR ALGUMA RAZÃO QUE ATÉ ENTÃO EU DESCONHECIA, TODOS ELES MANTIVERAM EM SÍGILO ABSOLUTO A ORÍGEM DA MINHA PATERNIDADE. ATÉ QUE UM DIA, BRINCANDO NA RUA A BOLA CAIU DO OUTRO LADO DO MURO DE UMA VELHA CASA CARCOMIDA PELO TEMPO.

OS GAROTOS FICARAM APAVORADOS, NENHUM DELES QUIS IR BUSCAR A BOLA. ENFURECIDO COM AQUILO, ME APROXIMEI DO MURO E OLHEI POR UMA FRESTA... NÃO GOSTEI MUITO DO QUE VI, AS VIDRAÇAS QUEBRADAS, AS PLANTAS MORRENDO DE SEDE E O QUINTAL SUJO COM MUITAS FOLHAS PELO CHÃO, ACENTUAVAM-LHE AINDA MAIS O ASPECTO SOMBRIO DE ABANDONO, PARECIA QUE NINGUÉM MORAVA ALÍ.

OLHEI PARA OS COLEGAS, PEDI SILÊNCIO, E PULEI. CAMINHEI COM TODO CUIDADO PARA NÃO PISAR NAS FOLHAS E FAZER BARULHO A FIM DE NÃO SER SURPREENDIDO POR ALGUÉM; MAS, QUANDO PEGUEI A BOLA E PREPARAVA-ME PARA VOLTAR, VI QUE SENTADO NUMA CADEIRA DE RODAS UM VELHO ANCIÃO ME OBSERVAVA, SENTI MINHAS PERNAS TREMEREM, TENTEI CORRER, MAS FIQUEI PARALIZADO, ATÉ OUVI UMA MÍSTICA VOZ QUE DIZIA SABER QUE UM DIA O DESTINO NOS COLOCARIA FRENTE A FRENTE.

FALOU-ME QUE A MUITO ESPERAVA POR AQUELE MOMENTO, NÃO MAIS RESISTINDO EU QUIS SABER O PORQUÊ, ME APROXIMEI E SENTEI BEM PERTO DELE; AO QUE COMEÇOU A CONTAR-ME:

SE BEM ME LEMBRO, NAQUELE ANO QUANDO AINDA ESTAVA NO EXERCÍCIO DA MINHA PROFISSÃO, “PREOCUPADO” COM O CRESCENTE NÚMERO DE ADOLESCENTES QUE A CADA ANO APARECIAM GRÁVIDAS NA ESCOLA, APÓS A LEITURA DO LIVRO “Gravida Aos 14 Anos?” DECIDI DESENVOLVER UM PROJETO DE MESMO NOME, E ASSIM, QUEM SABE AJUDÁ-LAS. AQUELA SITUAÇAO MUITO ME INCOMODAVA, AFINAL, EU ERA PAI DE UMA LINDA GAROTINHA.

O PROJETO FOI UM SUCESSO! GANHOU PROPORÇÕES INIMAGINÁVEIS, ESTENDEU-SE PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA; FIZEMOS CARTAZES, TEATRO, PALESTRAS, PASSEATA... DE MODO QUE POR ALGUM TEMPO, OS HOLOFOTES SE VOLTARAM PARA MIM; ATÉ QUE UM DIA, APÓS ÁRDUA JORNADA DE TRABALHO, FELIZ COM O RESULTADO DO PROJETO, FUI BEBEMORAR NUM CONHECIDO “BAR” DA CIDADE.

MALDITO SEJA! MAS AQUELE ERA O LUGAR PERFEITO PARA MINHAS ESCAPADAS. O AMBIENTE ERA MUITO AGRADÁVEL E DISCRETO, PROJETADO PARA PESSOAS QUE COMO EU, NÃO PODIAM SE EXPOR, NÃO, FAZENDO O QUE SE FAZIA ALÍ. DEPOIS DE MUITO BEBER E JÁ MUITO EMBRIAGADO PEDI AO DONO DO BAR QUE ME PREPARASSE UM QUARTO E UMA NINFETA PARA PASSARMOS A NOITE JUNTOS; A MELHOR NOITE DA MINHA VIDA FOI TAMBÉM O INÍCIO DO MEU INFERNO.

EXAUSTOS ADORMECEMOS, E SOMENTE POR VOLTA DAS OITO HORAS DA MANHÃ, ASSUSTADO CONSEGUI DESPERTAR, SABIA QUE PRECISAVA SAIR ÀS PRESSAS DALÍ, VESTI MINHAS ROUPAS, FUI ATÉ A PORTA, E VOLTEI, QUERIA VER O ROSTO DAQUELA QUE TANTO PRAZER ME DERA. TRÁGICO ERRO, MELHOR SERIA NUNCA TÊ-LO VISTO. NA PONTA DOS PÉS VOLTEI, E COM TODO CUIDADO, LENTAMENTE RETIREI O LENÇO QUE RECOBRIA AQUELE ROSTO PUERIL QUE NAQUELE INSTANTE PARA MIM SE TORNARA A MAIS HORRENDA FACE DA TERRA.

ERA... ERA FLÁVIA, MIN... MINHA FILHA... ENLOUQUECIDO SAI DESESPERADO DAQUELE QUARTO, TROPECEI, ROLEI ESCADA ABAIXO E SOMENTE TRÊS DIAS DEPOIS, ACORDEI NO HOSPITAL PARA SABER QUE FICARIA O RESTO DA VIDA PRESO A UMA CADEIRA DE RODAS CONDENADO PELA SOCIEDADE E ABANDONADO PELA FAMÍLIA, PARENTES E AMIGOS. AINDA QUE SEJA DURO ADMITIR, SEI QUE PAGO O PREÇO JUSTO POR MINHA, IRRESPONSABILIDADE COMO PAI, COMO HOMEM. FLAVIA É... É A SU... A... A... A SUA MÃE! EU... EU SOU SEU PAI.

AQUELA REVELAÇÃO FORA DEMAIS PARA MIM; FIQUEI EM ESTADO DE CHOQUE, NÃO SABIA O QUE FAZER, O QUE DIZER, PENSEI EM CORRER, EM MATÁ-LO, MAS PERCEBI QUE ELE TINHA RAZÃO; PARA ELE, O PIOR CASTIGO ERA VIVER. SEM DIZER PALAVRA, DEPOIS DE CHORARMOS JUNTOS, PEGUEI A BOLA E SAI.

Wilsomar dos Santos