Um capítulo sobre a Peste Negra
Assolada pela peste, a resgião carecia de vida humana. Andando suja e descalça pelas ruas, outrora movimentavas, Liana sentia o fedor da morte, misturado a fezes, vómito e abandono.
A doença, que mais parecia um castigo divino, assolava corpo e mente das pessoas, fazendo-as delirar de febre, a vida se esvaindo em vomito e disenteria.
Caminhava sozinha, sem ser perturbada. Tinha apenas 13 anos, mas já conhecia muito da vida. Deveria ter se casado a dois meses, se mais da metade da cidade não houvesse morrido – incluindo sua família e noivo. Cega pela dor, abandonara a casa, já com os sintomas da doença. Mas a febre passara na estrada, bem como o enjôo, e desde então ela comia o que conseguia pegar.
Depois de ter quase sido morta em uma cidade, decidiu não entrar em nenhuma outra. Aquela peste assolará toda a região – e suspeitava que ia além de sua visão, pois forasteiros, por onde passava, poderiam ser expulsos violentamente, ou alvejados por flechas.
Dias assim, já não recordava-se de como era estar limpa ou dormir em outro local que não o chão. Mas aquela cidade estava morta, completamente, então a atravessou, recolhendo o que pudesse carregar. Haviam cavalos mortos de fome, e no caminho pra fora daquele lugar, escutou uma vaca chorar, as testas rebentando com o leite não ordenhado. Ao soltar o animal passou por um bezerro morto, e foi a custo que conseguiu fazer a vaca se por pra fora daquela propriedade.
Ao menos a bichinha poderia carregar alguma carga. Improvisou com lençóis uma trouxa, e depositou tudo o que possuía, e agora, o que mais pudesse levar no embrulho.
E continuou andando, conversando sem parar com o bovino, até avistar uma abadia. Observou o local por muito tempo antes de arriscar-se chegar mais perto. E descobriu um local limpo, vazio e arrumado.
Atacou a despensa depois de ter amarrado Gineva – a vaca – numa árvore.
- A casa do senhor mantém as portas abertas – a menina empalideceu, paralisando enquanto depenava o armário – mas peço que pegue apenas o que for comer.
Virando-se devagar, muito sem graça, a moça avistou um senhor muito idoso.
- Me perdoe.
- Esta tudo bem.
- Me perdoe mesmo. Eu não queria roubar.
Não queria mesmo. Depois de tudo o que havia passado, poderia jurar que não havia ninguém lá.
- Esta tudo bem. Há dias não recebemos visitas.
- Recebemos?
- Oh sim. Eu, o irmão Marcelus e o Irmão Paulus. Você é bem vinda.
Liana desatou a chorar. Só muito mais tarde é que conseguiu encarar José, o velho abade.
***
Um ano inteiro passou antes que outra pessoa chegasse até aquela abadia, e em interva-los de tempo, a doença voltava a assolar as pessoas. Um viajante contou que cidades inteiras hviam morrido ao leste, e que a carcassa das cidades agora eram tomadas por bichos e plantas. Um rapaz que chegará lá trazendo o irmãozinho contou que onde morava, os moradores queimavam os corpos de todos os que morriam doentes.
Haviam ratos demais, alguns diziam. Outros teorizavam sobre o ar estar envenenado. Um homem falou sobre médicos que entravam mascarádos em locais marcados pela morte.
- Ainda assim, muitos contrairam o mal. - relatou.
As pessoas tinham medo dos animais, da água, de seus proprios pares. José teorizava que aquele era um castigo para o mal da humanidade, e que se os homens passarem por ele, então haveria mais bondade no mundo.
Mas a purgação levara pelas mãos a mãe de Liana, que acreditava ser a criatura mais bondosa do mundo depois do irmão José.
E em meio a adversidade, a menina reaprendeu a ser feliz. Realizava tarefas para os padres, cuidava dos animais criados na abadia, podava as plantas, cozinhava, e aos poucos aprnedeu a ler e ganhou alguma erudição sobre a biíblia e a história do mundo.
Passado o tempo Liana perdera o medo da doença, empenhada em ajudar os monges nos ritos. Receberam alguns hospedes, mas ninguém ficava. E por muitas vezes houveram doentes dentro daquelas paredes, todos forasteiros como ela fora. Assim o pequeno cemitério engordou, ainda que muitos sobrevivessem graças a dedicação dos monges. Alguns dos efermos recuperados chegavam a dizer que ali se operavam milagres.
O tempo escoou e Liana haveria de se casar com um homem refugiado que chegará ali, um dos muitos salvos da peste pelos irmãos, mas jamais sairia de perto dos monges. Marido e mulher serviriam aqueles senhores, que tomaram Liana por filha, até a morte do último deles. Seus filhos aprenderiam a ler com o Paulus, que deixaria para as gerações seguintes, todos os registros daqueles tempos de doença.
José, o filho mais velho de Liana, no dia em que saiu de casa, carregou com sigo rolos e rolos consigo. Anos depois, leriam os homens, entre números e relatos a memória da época da peste:
“E em meio as trevas, nosso abençoado lar esteve salvo da Morte Negra... e com a graça de Deus pudemos ser testemunhas da volta da luz.”