Propósito

A princípio, tudo parecia belo como aquela inesquecível paisagem de inverno: árvores cobertas de neve, uma suave brisa nos orientando a buscar companhia para a noite que se aproximava, e um pedaço de papel onde se lia: “Se você realmente me quer, me busque num lugar onde não me encontraria”.

A julgar pelo tempo que a conhecia, pelo frio que estava sentindo e pelo bilhete deixado em minha escrivaninha, senti-me invadido pela dúvida que me incomodaria até a meia-noite daquele domingo: onde estaria a mulher da minha vida?

Questionei-me se realmente deveria fazer aquilo. Afinal, ela sabia o quanto aquela noite era especial pra mim. Eu havia preparado tudo, das flores ao jantar à luz de velas, até o momento em que eu declararia meus sentimentos e ofereceria as alianças de casamento. Mas onde estaria a única mulher da minha vida?

Saí de casa pensando encontrá-la no restaurante onde desfrutamos de nosso primeiro jantar juntos, mas estava fechado para reformas. Fui ao parque onde numa tarde de sábado, há um ano atrás, nos beijamos pela primeira vez, mas ela não estava lá. Pensando na hipótese dela ter desistido da idéia de nos casarmos, sentei-me próximo ao pipoqueiro do parque que já arrumava suas coisas para ir embora.

De repente, aproximou-se uma criança de uns seis anos perguntando ao pipoqueiro se ele poderia doar o resto das pipocas ao orfanato. O pipoqueiro esboçou um singelo sorriso, ensacou o resto das pipocas e disse:

- Vá em paz, meu filho!

Logo em seguida aquele menino começa a conversar comigo, dizendo que é morador de rua, mas que naquele dia iria pedir ajuda a uma funcionária do orfanato, que conhecera pela manhã. Então disse a ele:

- Vou com você, já está tarde e é perigoso andar sozinho por aí, além do mais, também fui abandonado.

Caminhamos por quase uma hora, já que o orfanato era distante do parque, contando um ao outro as circunstâncias de nosso abandono.

Seu nome era André, fora deixado pela mãe na maternidade onde nascera, e seu sonho era poder acordar um dia ouvindo a seguinte frase:

- Bom dia, meu filho! O café já está na mesa.

Já eu, um romântico desesperançado, por várias vezes fui trocado por outro, pela única mulher que amava. Então ele perguntou:

- Você tem certeza? Eu respondi:

- Agora não tenho dúvidas! Nos fins de semana ela sempre arrumava uma desculpa pra não ficar comigo, principalmente aos domingos, dizendo que tinha outros compromissos.

Pouco antes da meia-noite chegamos ao orfanato. A idéia daquele menino era doar as pipocas para agradecer ao convite que recebera da funcionária, da qual nem sabia o nome. Minha idéia era ficar sozinho para chorar. Mas ele tão gentilmente me convidou a entrar que não pude recusar.

Ficamos esperando na recepção, mas ninguém estava lá. Ouvimos gargalhadas de crianças, que pareciam vir de um auditório. Depois de dez minutos perdi a paciência e decidimos entrar para tentar falar com alguém. Todas as crianças estavam reunidas assistindo a um teatro de fantoches, e estava mesmo engraçado: era uma história de um casal de namorados que brigava sem parar.

Acompanhando atentamente a história, achei algo muito estranho, pois parecia que eu conhecia aquele casal de namorados. Na verdade, o fantoche do rapaz se parecia comigo, e o fantoche da moça se parecia com minha "ex-noiva".

De repente, a moça que estava controlando o fantoche se levanta, e vem ao meu encontro. Eu não conseguia acreditar no que via, mas era ela, minha noiva fujona, procurando conter algumas lágrimas e segurando um microfone. Ao se aproximar de mim, ela perguntou:

- Você veio sozinho? Neguei apenas balançando a cabeça, já que não conseguia falar. Ela olhou para o André e perguntou:

- O que você trouxe? Ele respondeu:

- Trouxe pipocas pra gente comer juntos, queria agradecer pelo café da manhã que a senhora me pagou hoje e saber se posso ficar aqui no orfanato. Ela respondeu:

- Isso não depende de mim.

Então ela olhou dentro dos meus olhos, segurou minha mão direita, e disse ao microfone:

- Há um ano atrás, quando te conheci, fiz um propósito e um desafio com Deus. Se você fosse a pessoa certa para minha vida, você deveria vir ao orfanato, um ano depois, mesmo sem saber que eu trabalhava aqui, acompanhado da criança que iríamos adotar, já que não podemos ter filhos.

Naquele instante, nos abraçamos e choramos muito. Julgara erroneamente a mulher da minha vida, sem entender seus motivos. Olhei para o André, e algumas lágrimas caíam de seu rosto.

Dois meses depois, nossos sonhos se realizaram. Ele foi adotado por nós, e numa manhã de primavera, o André acordou com sua mãe dizendo:

- Bom dia, meu filho! O café já está na mesa.

[Ofereço este conto à você, Renice! Feliz aniversário!]

Álex
Enviado por Álex em 25/09/2006
Reeditado em 13/12/2013
Código do texto: T248982
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