CONVERSA DE CASAL - Lia Lúcia de Sá Leitão – 06/09/2010.

Existem coisas na vida dos casais que são idênticas, mudam apenas os protagonistas, antagonistas e endereço, mas se a conversa gira entre casais as diferenças são mínimas. Observando alguns momentos em baresinhos, visitas, reuniões sociais,coisas do cotidiano de casais normais, consegui perceber alguns pontos comuns que até então eu imagina ser exclusividade do meu relacionamento. Quer dor ao descobrir que mais pessoas convivem com a minha secretissima situação dos solilóquios na sala dejantar, ou em frente a televisão degustando aquele quentadinho de feijão arroz carne picada, salada de alface, almeirão e acelga e um refrigerante de beiçada, ou seja na boca da garrafa.

Resolvi ter uma conversinha bem singela, dessas que a gente já está cansado de falar poxa! Porque você não corta o pão dentro de um prato para não ficar farelo em cima da mesa? Ou,Caramba a casa está tão limpa, a faxineira fez o serviço do jeito que eu pedi e você nunca se contenta e coloca fio dental no chão, quem vai jogar na lixeirinha?

Aqui em casa todos temos o péssimo vício do tabagismo, para os não fumantes, todo cheiro de cigarro é uma afronta, mas é ofensa maior para o fumante um cinzeiro cheio de pontas de cigarro e o mau cheiro das bitucas na sala, os não fumantes, nem imaginam o quanto os fumantes brigam com o cheiro de fumaça na sala comum do computador, na verdade aqui em casa temos dois computadores mas apenas uma sala de estudos, daí vocês podem imaginar. Em mesas separadas é claro, porque se os dois computadores estivessem na mesma bancada o pau cantava, a cinza de cigarro que cai e deixa uma poeira cinza e mau cheirosa, pega na roupa e não sai ao se tentar passar uma toalha meio úmida, é melhor trocar a roupa porque a desgraça ta feita, entranha no tecido, borra, mancha pra todos os lados e a situação fica feia, isso geralmente acontece na hora de sair, enquanto alguém esqueceu o perfume e o computador está ligado, a ultima olhada nos e-mails.

Vocês já perceberam que outra coisa desagradável é marca de água dos fundos dos copos na bancada do computador? Aquela mistura, pó de cinza mais a água e nunca tem um guardanapo ou um paninho às vistas e a pressa de se trabalhar no local deixa qualquer um sem fôlego, nem ânimo para abrir uma discussão logo cedo.

Quem nunca deixou toalha molhada no lado oposto da cama? Justamente no cantinho que o outro dorme? Os dias frios são os mais sabotados pelo inconsciente, toma-se banho aos pulos, temperatura abaixo dos nove graus, o aquecedor ligado, toda a ação poderia ser articulada no banheiro quentinho, mas não! Sempre tem um que sai enrolado na toalha, se enxuga nas pressas, veste o pijama quentinho e mergulha nas cobertas, por preguiça ou esquecimento deixa a toalha molhada justamente no cantinho preferido do retardatário que ainda vai entrar no banho, troca a roupa no calor do banheiro, calça as pantufas e corre para o quarto aproveitando o pique se joga em cima da toalha molhada, fria que esfriou até as molas do colchão, e a temperatura cai vertiginosamente dos nove graus para menos alguma coisa.

Essas participações familiares são comuns, mas chega uma hora que uma das partes resolve falar, não é briga porque as brigas já se evaporaram nas semanas e meses passados. Agora é uma conversa de alerta, sem gritos, sem brigas ou embirras, até o tom de voz é bem mais carinhoso, um lembrete, tipo: poxa amor! Tenho visto que você não tem colocado calcinha molhada dentro das prateleiras dentro do Box do chuveiro. Gostei de ver os sapatos arrumadinhos ali na sapateira, meu bem que bom que você não coloca mais a toalha molhada no lado do meu colchão. Que bacana! Você não fica mais acelerando o carro nem com a mão na buzina torrando o saco para chamar a atenção.

Pois bem, num desses solilóquios de casal, dia de domingo, durante o intervalo do Fantástico, vocês estão percebendo a cena tipicamente brasileira.

Abrimos um refrigerante, aproveitamos para fazer uns sanduíches e conversar um pouco, e naturalmente a conversa foi surgindo em tons divertidos, risos daqui, risos dali, as avaliações estavam quase em cem por cento de melhora do casal quando a outra parte ficou um pouco mais séria e retrucou: pois é meu bem, tudo tem melhorado a contento, mas o que não faz muito sentido é esse catatau de reclamações, as toalhas sou eu quem lavo, os paninhos dos pozinhos do cigarro sou quem limpo, sua roupa manchada de cinza de cigarros sou eu quem tem um trabalho danado de lavar, o fio dental no chão sou eu quem joga na lixeirinha do banheiro e o saquinho do papel higiênico sou eu quem troca, a toalha molhada sou eu que mesmo debaixo do frio estendo no Box do banheiro, os sapatos eu quem limpo e deixo ali no cantinho arrumados, seus documentos estão dentro da pasta colecionadora que eu arquivo, seus trabalhos estão todos resgatados no pendrive e tem uma pasta exclusiva no seu computador toda organizada e enumerada.

As marcas de fundo de copo com água sou eu quem passa o pano, os farelos de pão sou eu quem limpa e joga fora, enfim, varro a casa e passo paninho cheiroso para te agradar, mas você nem se lembra que fica trabalhando até tarde, fuma quando estou com meus enjôos, você nem fecha a porta da sala de estudos e acende um cigarro atrás do outro, nem ao menos dá uma tragada, os cigarros queimam, o cinzeiro enche, esborra, mas você levanta toma seu banho deixa a pasta de dente sem a tampinha, a lixeirinha aberta, as luzes do apartamento todas a ligadas, deita, nem ao menos; dá boa noite meu amor. Eu tenho que jogar todas as suas bitucas de cigarro fora. Agüentar logo cedinho depois que você acorda o cheiro de pele e o bafo de onça quando me dá o primeiro beijo do dia, sem contar o tormento do cheiro do café matinal que você sabe que odeio e sempre esquece de fechar a porta do nosso quarto sem falar no ovo frito que você come todos os dias.

Lia Lúcia de Sá Leitão
Enviado por Lia Lúcia de Sá Leitão em 06/09/2010
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