A BAILARINA
Senta-se ao espelho.
Com movimentos ágeis e experientes, desfaz as tranças que usou durante o bailado nessa noite. Escova os cabelos negros energicamente.
Melancólica, olha o rosto reflectido e mal reconhece nele a jovem lutadora que, contra todos e tudo, seguiu o seu sonho desde menina.
Há olheiras disfarçadas com a pintura que distraída, vai limpando. Os cantos da boca outrora risonha, estão descaídos. Ensaia um sorriso que mais parece um esgar.
Espalha o creme para acalmar a irritação da pele do rosto.
Coloca o fio de ouro com o trevo esmaltado, de quatro folhas, que fora herança da sua avó paterna e que sempre o usara desde que ela se lembrava.
Lá fora a cidade aquieta-se sob uma tempestade de Inverno que este ano chegou tardio.
Precisa de arranjar coragem para enfrentar essa chuva forte; pondera o desejo de ali ficar essa noite no aconchego do camarim.
Não. Não é mulher para desistir ou recusar um desafio!
Resoluta levanta-se, despe o robe que tinha vestido e agasalha-se com roupas grossas e calça as botas de Inverno de cabedal.
Já no passeio é fustigada pelo vento forte que lhe atira a chuva para cima, encharcando-a. Corre ao longo dele com a esperança de se cruzar com um táxi que a leve a casa.
Passam vários mas nenhum pára.
Continua a correr lutando contra o vento e a chuva, o chapéu a virar-se, as poças de água na calçada...
Só os seus passos ecoam na noite abafados pela tempestade.
Um medo despropositado apossa-se dela... Ela que conhece tão bem aquela parte da cidade...
Um cão magro e todo molhado sai de uma viela e atravessa-se-lhe à frente para passar para o outro passeio e sobressalta-a a ponto de lhe faltar o ar. Respira fundo e volta a correr.
Ao longe vê os faróis de mais um carro e pede aos céus que seja um táxi e que pare! Faz-lhe sinal com o braço erguido e ele estaciona; é um táxi!
Atrapalhadamente entra para ele, toda ela água e chapéu-de-chuva... Diz ao motorista a morada e este inicia a marcha. Recosta-se no banco aliviada e cerra os olhos.
Acorda sobressaltada quando o motorista a chama dizendo que chegaram à morada. Levanta o olhar para ele que entretanto se virara para ela e vê, horrorizada, que o motorista é um esqueleto com pedaços de carne pendurada!
Notícia na 3ª página do Semanário local:
"Foi encontrada num táxi abandonado, uma mulher aparentando ter entre 30 e 40 anos , morta por causas desconhecidas. Vestia roupa leve de Verão e botas de Inverno de cabedal. Ao pescoço tinha um fio de ouro com um trevo de quatro folhas esmaltado, parecendo ser uma jóia antiga. Não foi encontrada qualquer outra identificação pelo que seguiu para a Morgue do Hospital Central"
Beijinhos,
Senta-se ao espelho.
Com movimentos ágeis e experientes, desfaz as tranças que usou durante o bailado nessa noite. Escova os cabelos negros energicamente.
Melancólica, olha o rosto reflectido e mal reconhece nele a jovem lutadora que, contra todos e tudo, seguiu o seu sonho desde menina.
Há olheiras disfarçadas com a pintura que distraída, vai limpando. Os cantos da boca outrora risonha, estão descaídos. Ensaia um sorriso que mais parece um esgar.
Espalha o creme para acalmar a irritação da pele do rosto.
Coloca o fio de ouro com o trevo esmaltado, de quatro folhas, que fora herança da sua avó paterna e que sempre o usara desde que ela se lembrava.
Lá fora a cidade aquieta-se sob uma tempestade de Inverno que este ano chegou tardio.
Precisa de arranjar coragem para enfrentar essa chuva forte; pondera o desejo de ali ficar essa noite no aconchego do camarim.
Não. Não é mulher para desistir ou recusar um desafio!
Resoluta levanta-se, despe o robe que tinha vestido e agasalha-se com roupas grossas e calça as botas de Inverno de cabedal.
Já no passeio é fustigada pelo vento forte que lhe atira a chuva para cima, encharcando-a. Corre ao longo dele com a esperança de se cruzar com um táxi que a leve a casa.
Passam vários mas nenhum pára.
Continua a correr lutando contra o vento e a chuva, o chapéu a virar-se, as poças de água na calçada...
Só os seus passos ecoam na noite abafados pela tempestade.
Um medo despropositado apossa-se dela... Ela que conhece tão bem aquela parte da cidade...
Um cão magro e todo molhado sai de uma viela e atravessa-se-lhe à frente para passar para o outro passeio e sobressalta-a a ponto de lhe faltar o ar. Respira fundo e volta a correr.
Ao longe vê os faróis de mais um carro e pede aos céus que seja um táxi e que pare! Faz-lhe sinal com o braço erguido e ele estaciona; é um táxi!
Atrapalhadamente entra para ele, toda ela água e chapéu-de-chuva... Diz ao motorista a morada e este inicia a marcha. Recosta-se no banco aliviada e cerra os olhos.
Acorda sobressaltada quando o motorista a chama dizendo que chegaram à morada. Levanta o olhar para ele que entretanto se virara para ela e vê, horrorizada, que o motorista é um esqueleto com pedaços de carne pendurada!
Notícia na 3ª página do Semanário local:
"Foi encontrada num táxi abandonado, uma mulher aparentando ter entre 30 e 40 anos , morta por causas desconhecidas. Vestia roupa leve de Verão e botas de Inverno de cabedal. Ao pescoço tinha um fio de ouro com um trevo de quatro folhas esmaltado, parecendo ser uma jóia antiga. Não foi encontrada qualquer outra identificação pelo que seguiu para a Morgue do Hospital Central"
Beijinhos,