A última vez que eu falei com ela...
A última vez que eu falei com ela estávamos no mesmo boteco, na mesma mesa, a mesma cerveja, o mesmo cigarro e o mesmo tira-gosto. O copo vazio de cachaça era o mesmo também, vazio, que eu pedia no balcão antes da cerveja chegar. Se fosse um boteco com o mínimo de consideração ao cliente e bom caráter eles tiravam o copo de cachaça de cima da mesa. Mas não, deixavam ali. Primeiro, se eu quisesse um boteco com "consideração e carater", que eu procurasse um restaurante ou um bar onde se cobravam dois e cinquenta por uma skol e mais dez por cento do maldito garçom (ô chefia, ele não tem um salário não?). Mas a gente tava ali na última vez que eu falei com ela. O papo também era o de sempre. Ela se impressionou com um poema que eu escrevi sobre voar, solidão, olhar, enfim, coisas sem nexo algum, como tudo que eu escrevo. Ela pediu pra usar o meu copo de cachaça vazio, eu emprestei. Ela pediu uma dose "caprixada". [Põe duas!], eu gritei. [Três!] Ela gritou meio que de brincadeira. Se for pra brincar, vamos brincar direito, [Traz uma garraga e fecha a conta!]. Paguei. Vamos para a praça como adolescentes, e talvez encontrar estes lá e contar algumas histórias. Algumas mentiras. A gente foi. E tinha um prédio em construção ali perto, a lua tava maravilhosa (ela sempre é, mas nesse dia ela tava sem vergonha e se mostrou toda pra gente). Fomos para a cobertura, abrimos a cachaça e começamos a falar de poesia, voar, solidão, olhar. Eu já me sentia embriagado demais para ficar sentado ali, deitei. Deitei e comecei a conversar com ela de olhos fechados. Poesia, voar, solidão, olhar. Me distraí. Aaaaahhhhhhhhh. Só pude ouvir o grito. Poesia, voar, solidão, olhar. Ela quis voar dali de cima. Meu olhar me traiu. A solidão me achou entre um gole e outro. Não consigo escrever mais poesia pensando nela. Só penso nela e em poesia, voar solidão, olhar.
"Na Poesia que eu vivia
Não hesitava em voar
O voo da solidão de encontro a mim
Não abro meus olhos, não quero olhar."
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texto retirado do meu blog
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