Os Mendigos
Fazia dos restos orgânicos teu banquete, e até mesmo convidava tua amada para lhe fazer companhia na noite úmida e gélida em que para se confrontar com o frio, somente um gole de um veneno qualquer doado com desprezo pelo gordo fedido do boteco da esquina. Era até mal educado às vezes, mas não queria que fosse assim, ele só queria atenção naquele vai e vem do dia-a-dia onde todos passavam mais ninguém olhava pra ele. Nem mesmo a tua amada (Aquela cadela fodida!) lhe dava atenção necessária para que ele pudesse ter um fio de felicidade. Naquela noite ele a viu com um fodido, um cachorro, que também vivia nas redondezas e costumava ser seu carrasco. Mas ele era também um fodido, sem atenção, sem bebida, sem comida, sem ninguém (mesmo no meio milhares de pessoas que circulavam em volta dele durante o dia), agora também sem sua amada, e pôde concluir friamente que a maldição do homem está além dos seus limites. Ela só queria comida, companhia, diversão, uma casa, um dono. Ele literalmente voou no maldito cachorro (aquele que era seu carrasco), no meio da multidão que passava por ali, uns muito preocupados, outros sorrindo fingindo ser felizes, dando a perceber que a vida é boa. A multidão se assustou. Duas garotas que passavam por ali gritaram de medo e repugnância. Ele olhou pra elas com cara de nojo. Outros riam como se aquilo fosse algum espetáculo cultural. Não, não era, mas devia ser. Ele não tinha nem um osso pra roer e toda aquela gente podia desfrutar dos mais deliciosos pratos. Ele deixou o cachorro no chão, chorando fino como uma cadelinha de madame, e saiu andando. Parece que algum tempo depois encontrou um dono, um mendigo que entendia ele (e as pessoas se sensibilizam quando entendem as necessidades dos amigos), deu-lhe não comida, mas deu-lhe atenção. Podia-se ver pela cidade o mendigo e o cão, amigos inseparáveis, esperando a morte, mas agora com menos pressa.