Caminhos

Um dia, a vida coloca as pessoas frente a frente, e essas de frente com seus sonhos esquecidos, suas decepções e frustrações. Marcos entrou em sua sala irritadíssimo como aliás, era frequente ultimamente. Lucas havia ligado, o convidando para passar o fim de semana no sítio com sua família. Ele estava muito irritado, e não queria ver Lucas e sua felicidade. O motivo de sua irritação era um prêmio de gastronomia que seu irmão havia ganho. Considerava aquilo um absurdo, e sempre teve a impressão de que o irmão era um tolo, um vagabundo mesmo, que nunca gostou de ter trabalho. Estava pensando assim, quando sua secretária chamou no telefone, anunciando Lucas na entrada principal. Mal ele terminou de esbravejar, e Lucas já entrava pela porta, com seu ar irônico.

_ Nossa Marcos, já está brigando de novo com a pobre da Marina? Quanto mal humor! Recebeu meu convite?

Marcos queria brigar com o irmão, mas resolveu deixar pra lá.

_Recebi sim, mas acho que não vou poder ir. Tenho que estudar um processo muito importante, não tenho tempo pra essas comemoraçõezinhas suas.

Embora quisesse parecer irônico, Lucas sempre se entristecia com essas atitudes do irmão. Eram gêmeos e sempre foram muito ligados na infãncia e na adolescencia. Naquela época, Marcos era alegre, animado, mas o tempo o deixou amargo.

_Não é uma comemoraçãozinha. Eu ganhei um prêmio importante e queria mostrar o prato vencedor pra minha família. Marcos, o que aconteceu com você meu irmão?

_Nada Lucas, eu só não tenho tempo pra essas bobagens.

_Não é bobagem, é minha vida, minha carreira, meu sonho. Lembra o que é um sonho?

Marcos olhou com desdém.

_Não, eu não sei Lucas. Eu sei o que é trabalho. Ao contrário de você, eu sempre trabalhei muito. Nunca tive muito tempo pra sonhos.Eu lutei muito pra me formar, estudando e fazendo trabalhos. Só eu sei a luta que foi, enquanto você ficava cozinhando pros amigos e fingindo que estudava.

_Meu irmão, que pena tenho de você! Realmente, eu não lutei 4 anos, porque pra mim Marcos, minha faculdade nunca foi uma luta. Ao contrário. Eu trabalhei muito, virei muita noite estudando pra provas, porque ao contrário do que você pensa, eu estudei muito pra me formar em gastronomia. E tem um detalhe, eu tive que pagar a faculdade toda. Eu cozinhava mesmo pros meus amigos, e faço isso até hoje, porque culinária pra mim, é minha vida, dentro ou fora do restaurante. Acho que essa é nossa diferença meu irmão. Nós dois trabalhamos muito, a diferença é o motivo pelo que trabalhamos. Por exemplo - Lucas retirou uma nota do bolso - você Marcos, trabalha por dinheiro. Lucas colocou fogo na nota, que queimou tudo, até sumir no cinzeiro.

_Aqui está Marcos pelo que você luta e trabalha. Por nada, por pó... Eu não, eu trabalho por essa garotinha aqui, e essa mulher maravilhosa, que está comigo desde sempre (mostrou uma foto em sua carteira). Eu ganho dinheiro sim, mas se não puder estar com elas, vendo a minha filhota crescer, e minha esposa sorrindo toda manhã, e ao meu lado no restaurante, minha vida não tem sentido irmão. Isso não se acaba nunca, não queima, não se perde. Enquanto te olho agora, estava lembrando, de cerca de 6 anos, quando fomos procurar o Sr. Carlos Roberto, nosso pai. Você desde pequeno quando perguntado, dizia que seria escritor, lembra? E professor de Literatura. Eu não sabia. Claro, menino não pode brincar de cozinhar, e nem tem acesso a panelas quando criança porque isso é coisa de menina. Então eu não tinha descoberto. Nessa época no entanto, eu já tinha conhecido minha princesa, que percebeu que eu gostava de cozinhar. Fomos conversar com ele, o famoso Juiz de Direito, que deixou nossa mãe quando tinhamos 10 anos de idade. Queriamos ajuda para pagar a faculdade. Lembro-me bem, dos olhos dele ao me chamar de gay, bichinha, e falar que isso era desculpa pra eu soltar a franga. Que não daria um centavo. E você, foi chamado de idiota sonhador, sem ambição. Que provavelmente morreria com uma aposentadoria de funcionário público, e vendendo livretos na estação de trem.

Nós dois saimos de lá e rasgamos os comprovantes de inscrição, mas por motivos diferentes. Eu não tinha mesmo certeza. Gostava de cozinhar, mas será que realmente era o que eu queria? Será que teria como pagar? Sai e fui ao centro, e peguei uma vaga para lavar pratos em um restaurante, comecei a conviver com o ambiente, ajudar na confecção de pratos mais simples, e comecei a cozinhar nas folgas do cozinheiro. Ai eu entendi que era isso mesmo que queria, e não conseguiria trabalhar em outra coisa.

Você não. Você se inscreveu no vestibular de Direito, e se tornou uma cópia de nosso pai.

Lucas pegou sua maleta. Olhou novamente Marcos, e continuou:

_Eu vim aqui várias vezes te entregar uma coisa, mas acabo perdendo a coragem. A gente não sabe o quanto os sonhos podem doer nas pessoas. Hoje eu trouxe de novo.

Lucas retirou de sua bolsa uma pequena caixa com vários papeis. O rosto de Marcos se transformou. Seus olhos vidrados, se mantinham fixos na pequena caixa azul turquesa. Lucas continuou:

_Estão aqui Marcos, seus primeiros poemas, suas histórinhas infantis, e o mais legal, seu primeiro romance, o que você disse que seria o primeiro a publicar lembra? Veja.

Lucas retirou um pequeno livro negro.

_Marcos, eu li, e é muito bom. Você tava escrevendo e ainda tá sem o final. Acho que o sonho da Clara deve ser realizado, eles precisam de um final. E sonhos são importantes! E por falar em sonhos, o bom deles meu irmão é que eles não envelhecem, e nem perdem o prazo de validade. Sempre existem escolas precisando de bons professores de literatura, ou mesmo bons advogados que escrevem livros de romance. E sempre exitem aqueles que largam tudo, e vivem melhor dos sonhos. O convite para o fim de semana tá de pé, e lá tem uma biblioteca muito boa, ou uma rede no quintal ótimos para se escrever. Espero Você lá.

Lucas saiu, mas sabia bem que o livro não esperaria o fim de semana. Os olhos de Marcos brilhavam. Ele se lembrava exatamente a ultima palavra que escrevera de seu romance, tentou esquecer por anos, mas nunca conseguiu. Pegou sua caneta tinteiro. Sim, Clara o esperava, com seus sonhos paralisados, junto com os dele. E sonhos tem pressa...