Dr. Hanamaikai

 

- Estou curiosa pra saber o que aconteceu com Dr. Hanamaikai nesses trinta anos. Você já descobriu, Irene?

- Descobri, Karina.

- Então me conta logo. O que aconteceu? E como você descobriu?

- Pura coincidência. Eu estava procurando o número do telefone de uma firma de Silk Screen na lista telefônica quando sem querer, vi o nome de Marlene Hanamaikai. Pensei: será que o Dr. Hanamaikai se mudou pra cá? Resolvi ligar. Ela atendeu e me identifiquei. A princípio não se lembrou de mim, mas à medida que fui falando, foi se lembrando de alguns detalhes e então, resumidamente, me contou sua história.

- E o que lhe contou?

- Contou-me que se separou do Dr. Hanamaikai depois de quase quinze anos de casados; que ele se casou pela segunda vez, mas também se separou; que abandonou a Oftalmologia e foi para a Inglaterra. Lá, especializou-se em Psicanálise, conheceu uma psicanalista e se casou pela terceira vez. Atualmente mora em Londres e é um famoso Psicanalista. Só isso.

- Só isso? Três casamentos... de Oftalmologista à Psicanalista... Será que ele é feliz?

- Se não é, deve estar procurando ser.

- Depois que você saiu de lá, alguma vez, falou com ele?

- Não, nunca mais. Eu tinha medo de encontrá-lo.

- Medo dele? Por quê?

- Não era medo dele, propriamente, mas medo de suas palavras, pois me feriram muito. Durante muito tempo ele foi uma obsessão em minha vida. Aparecia como um fantasma, se instalava em minha mente e fazia-me perder horas e horas de sono.

- E porque não tentava desviar seu pensamento dele?

- Eu tentava, mas não conseguia.

- E hoje, depois desses trinta anos, se o encontrasse, conversaria com ele?

- Conversaria não, conversei a semana passada, e conversarei no próximo mês.

- Como? Ele não está em Londres?

- Sim. Falei com ele por telefone.

- Não estou entendendo. Como conseguiu seu endereço?

- Mais uma coincidência... Você se lembra daquela minha aluna de Inglês, que se casou com um britânico e foi morar em Londres?

- A Cláudia?

- Ela mesma. Recentemente ela esteve aqui visitando a família e veio me visitar também. Contou-me uma história que achei fantástica. Disse-me que ao mudar-se para Londres, sofreu uma crise nervosa inexplicável e foi aconselhada a procurar um psicanalista. Indicaram-lhe o Dr. Hanamaikai que ao saber que era brasileira, deu-lhe uma atenção tão especial que em pouco tempo ficou curada. Depois disso tornaram-se amigos.

Quando disse a ela que o conhecia, que havia trabalhado com ele quando era jovem e que o livro que havia lançado relatava minha vida naquela época, ela ficou pasma. Insistiu tanto em levar um livro pra ele que acabei concordando.

- E daí?

- Daí ele me ligou pra agradecer o livro que lhe enviei.

- E o que foi que ele lhe disse?

- Muita coisa. Posso dizer que “lavei a alma”.

- Então me conta logo o que ele disse. Quero saber os mínimos detalhes.

- Nossa conversa foi, mais ou menos, assim:

- Irene, aqui é Dr. Hanamaikai.

- Dr. Hanamaikai??? Que prazer falar com o senhor! Como vai?

- Vou bem, e surpreso por ser personagem do livro de alguém que julgava nunca mais encontrar.

- A Cláudia insistiu tanto em levar-lhe meu livro que acabei concordando. Espero que o senhor não tenha se sentido ofendido com o que escrevi.

- Não vejo porque deveria me ofender. Só gostaria de saber por que é que resolveu escrever esse livro, depois de trinta anos.

- Não sei. Ultimamente tantas mudanças aconteceram em minha vida que, de repente, tive vontade de escrever um livro.

- E por que “Pedaços de um Diário?”

- Porque são pedaços de um diário que há muito tempo estava pronto.

- Você deve ter me odiado muito.

- O que é isso? Sempre gostei muito do senhor. O senhor sim, é quem deve ter me odiado muito.

- Engana-se. Sempre a admirei pelo seu caráter e determinação. Concordo que, muitas vezes, fui grosseiro, mas só queria o seu bem. Tive uma infância e uma adolescência muito parecida com a sua e queria evitar que você passasse pelos mesmos problemas que passei. Mas você era muito teimosa e isso, às vezes, me irritava.

- A propósito, o senhor poderia satisfazer uma curiosidade minha, de trinta anos atrás?

- O que é?

- Foi o senhor quem pagou aquele curso de datilografia?

- Foi.

- E por que não me disse nada?

- Preferia ficar no anonimato. E, já que satisfiz sua curiosidade, satisfaça a minha: a Lucy alguma vez se ofereceu pra comprar roupas pra você?

- Não, nunca.

- Ela não se ofereceu ou você se esqueceu?

- Ela não se ofereceu, pois tudo que aconteceu comigo enquanto trabalhava no consultório, registrei no meu diário e isto não está escrito.

- Que pena!

- Por quê?

- Esqueça. Você saiu sem entender nada do que acontecia ali dentro.

- É, embora me esforçasse, não conseguia.

- Mudando de assunto, estava pensando em procurar alguém aí no Brasil, para fazer uma parceria comigo.

- Não estou entendendo.

- Estou fazendo um estudo profundo da Antropologia aliada à Psicanálise e gostaria de ter uma colaboradora aí no Brasil. Como, além de professora de Inglês, você escreve bem, tenho certeza de que é a pessoa ideal para essa parceria. O que acha?

- O assunto parece interessante, só não estou entendendo essa parceria.

- Você faria pesquisas com pessoas de várias faixas etárias e de níveis sociais diferentes e entraria em contato comigo. No próximo mês estarei participando de um Congresso sobre Psicanálise aí no Brasil e então poderemos acertar, pessoalmente, esses detalhes.

- Está bem.

- Até breve, então, Irene.

- Até breve e muito obrigada.

- E assim terminou nossa conversa, Karina.

- Que legal! E você vai aceitar essa proposta?

- Depende dos detalhes e da remuneração.

- Será que ele não estava só testando você, para ver sua reação?

- Acho que não. Ele me parecia bem sério.

- Você acredita que ele tenha mudado?

- Com certeza, caso contrário nem teria ligado.

- E você, mudou muito?

- Bem, o Paulo diz que continuo muito teimosa.

- E ele tem razão, não tem? Quando você coloca uma coisa na cabeça, não há quem a faça mudar de idéia, não é mesmo?

- É, sou muito teimosa. Agora, por exemplo, coloquei na minha mente que serei, não uma simples escritora, mas a maior revelação do século XXI. E por falar nisso, não deixe de ler “MEU DIÁRIO MEIA SETE”. Ele é bárbaro.

 

Fim

 

Livro: "Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas" - Pág.  151