"O Papudo" ou "Aparências"
- Daqui a pouco chega o papudo pra completar a roda...
- Não sei por que você cismou de chamar o Sílvio de papudo. O cara é gente boa e não é de contar prosa, Osvaldo.
- Não é? Não é mesmo? Você nunca reparou que não há nada que ele não tenha ou não conheça melhor que os outros? Se você fala em carro, o cara dá a entender que tem melhor. Se o assunto é casa, não há como a dele. Converse sobre grana e a impressão é de que estamos lidando com um milionário. Isso não é ser papudo?
- Sinceramente, meu amigo, acho que é pura implicância de sua parte. Aliás, você é o único aqui de nós, os seis da cerveja da tarde, que parece não ir com a cara dele.
-Implicância coisa nenhuma, Ferreira. Já observei bastante o cara para saber que é um papudo camuflado. Mas uma hora dessas eu o pego na curva. Você verá. Você verá.
- Você é quem sabe. Só te garanto uma coisa: ele pode te surpreender pra valer. Acho que você está se baseando na aparência de nosso amigo. Nesse ponto eu concordo com quem disser que ele é relaxado pra se vestir, anda mais a pé do que de carro, não é muito de fazer a barba e até se esquece de se pentear, mas está sempre de cara boa, de bem com a vida, e é um papo legal, divertido. Boa gente o nosso amigo. Acho que por trás daquele jeitão existe um cara jovem e bem de vida.
- Nosso amigo, vírgula. Seu amigo. Por falar nisso, lá vem ele “descendo a ladeira”.
- Subindo a rua. Vou pedir a cerveja que ele gosta pra adiantar o expediente.
- Puxa saco do cacete...
- Ele faria o mesmo se me visse chegando.
Sílvio chegou até a mesa, distribuiu abraços, fez suas brincadeiras de sempre, sentou-se ao lado de Osvaldo e agradeceu a presteza com que o garçom lhe trouxe a cerveja encomendada por Ferreira.
- Coisa boa é ter amigos...Cheguei com a boca seca de vontade de uma loirinha no capricho. Obrigado a quem a pediu. Foi você, Ferreira?
- Claro que foi – Osvaldo respondeu com azedume- Ele é o seu eterno aspone.
- Brigadão, Ferreira. Bem, meus amigos, qual é o assunto de hoje nessa mesa de bocas malditas?
- Dinheiro. Estávamos falando sobre grana. Se é melhor ter dinheiro em casa ou só no banco. Qual é a sua opinião, Sílvio?
- Acho que nos dois lugares. No banco, investido. Em casa, guardado em algum canto secreto para alguma eventualidade.
- Que tipo de eventualidade, meu amigo? – O “meu amigo” soou tão falso que até o próprio Osvaldo notou, pensou em corrigir, mas já era tarde. Deixou pra lá.
- São tantas eventualidades, Osvaldo...Hoje em dia a violência está cada vez maior. Os seqüestros acontecem a toda hora e em toda a cidade, como você sabe. Tendo uma boa grana escondida em casa pode quebrar um galhão. Sem contar com uma internação de urgência por acidente ou doença, um bom negócio que apareça de repente, etc.
- O que me leva a deduzir que você tenha uma belíssima grana acumulada em casa- alfinetou Osvaldo.
- Tenho o que acho suficiente, meu caro.
Osvaldo encarou Ferreira com ar de desdém para com Sílvio e sua expressão era o mesmo que dizer claramente: “agora eu pego esse cara na curva”.
-Olha, Sílvio, quero te fazer uma proposta séria. Séria pra valer. Você sabe que comprei o “Tucson” na semana passada por sessenta e cinco paus à vista. No cacau. Uma em cima da outra. Pois bem, se você tiver a metade desse valor em casa e trouxer o dinheiro aqui em quinze minutos, o carro é seu.
- Você está louco, cara? Ou está louco ou está querendo me testar.
- Quero te testar. É isso. Quero te testar porque estou cansado de seus papos sobre dinheiro, casa, carro, investimentos, etc. Falando o português claro, claríssimo, eu te acho um puta de um papudo do cacete.
- Faz tempo que percebi sua cara de pouco caso para comigo, Osvaldo. Vou te dar uma chance de se arrepender da proposta. Caso não se arrependa, o dinheiro estará aqui em menos de quinze minutos e estando a grana aqui, na sua frente, você me entregará o documento do carro assinado e no ato, sem demora. Se voltar atrás eu te arrebento da cabeça aos pés.
- É bom de briga também?
- Sou ótimo. Sou tão papudo, cara, que nunca contei a vocês que tenho o grau máximo em karatê.
Osvaldo riu alto e com evidente desprezo.
- Traga a grana e leve o carro.
Sílvio pegou o celular, ligou para sua casa e disse à esposa:
- Meu bem, pegue trinta e três mil da reserva e traga pra mim. Você sabe onde estou. Mas traga imediatamente, sem demora alguma. Escolha um carro na garagem e venha logo. Tenho menos de quinze minutos para fechar um bom negócio com um trouxa que está ao meu lado.
Osvaldo sentiu que esfriava por dentro. O “Tucson” comprado menos de dez dias antes tornara-se sua paixão e Sílvio parecia estar falando sério.
Doze minutos depois uma belíssima morena, simplesmente trajada, desceu de um “Porsche” amarelo, conversível, série especial, com um pacote nas mãos,e foi em direção à mesa dos seis amigos:
- O dinheiro está aqui, amor.
- Obrigado, minha querida. Vai sair?
- Não. Eu vim de carro só pra chegar aqui mais depressa e você não perder o negócio. Aliás, que negócio é esse?
- Um “Tucson” novo pela metade do preço, amor.
- Puxa!! É que foi o trouxa que te ofereceu essa barbada?
- Esse camarada aqui. O meu “grande e fraterno” amigo Osvaldo.
- Aquele que você me contou que sempre faz cara de pouco caso pra você?
- Esse mesmo, amor. Acaba de perder meio carro para aprender a não julgar pelas aparências. Vamos lá, meu amigo, confira o dinheiro, assine o documento e me passe a chave do carrão. Mais um pra minha coleção.
Sem coragem de argumentar, sentindo que não tinha como voltar atrás, e com medo de enfrentar fisicamente o “papudo”, Osvaldo assinou o documento e entregou a chave do carro.
Os outros quatro à mesa riram maldosamente da cara de Osvaldo, parabenizaram Sílvio pelo excelente negócio fechado naquele momento e pediram mais uma rodada.
- Essa é por minha conta, pessoal. Podem beber à vontade que depois minha mulher levará cada um à sua casa. Inclusive você, Osvaldo, que tem motivo de sobra pra encher a cara e chorar em casa.