Contos do eremita: Grande regente

A chama eterna brilha em seu azul intenso. Eternamente em seu devorar de uma madeira que não se desgasta. Eternamente em sua sina de desafiar a chuva e o silêncio, e o escuro. O velho eremita, que parece estar por ali há tanto tempo quanto aquela chama recebe um novo desafiante.

- Olá senhor -diz ao se aproximar- O senhor deve ser o eremita que guarda esta região. Sou um viajante, e passando por estas terras lembrei-me de sua história. A história de que há por estas terras um senhor que fica sentado perto de uma fogueira, sábio e velho como as grandes coisas antigas desse mundo.

- Olá filhote. Você acredita em tudo o que lhe foi dito a meu respeito?

- Sim. Mas para reforçar minha crença, queria fazer-lhe uma pergunta. Posso?

- Qualquer uma delas, desde que não estejam relacionadas a pedir permissão para perguntar. Prefira sempre desculpar-se abertamente por uma pergunta infeliz.

- O que é o tempo?

- Um regente antigo. Muito antigo. Desde sempre esteve a reger as coisas. Desde sempre criam-se coisas que giram em torno dele. Desde sempre o sempre existe e é graças a um regente. Perigoso é tentar tocá-lo, ou ter a intenção de...conseguir uma audiência formal, se é que me entende. Imortal também ele é, pois quanto mais tentativas de destrui-los forem feitas, mais próxima e a hora do regente enterrá-lo, dizer que chegou a sua hora de partir.

- Entendo... mas em que sentido é perigoso?

- Perigoso a ponto de não se saber quais os felizardos que tiveram uma audiência com ele. E quais destes estão vivos para lembrar-se disso. Apenas lembrar-se, não é permitido que seja contado nada. Mas sei de uma história. Um homem que não gostava de sua vida. Talvez um viajante. Ele conseguiu uma audiência com o tempo, e mais ainda, um favor do grande regente. Conseguiu voltar ao tempo do seu passado, dizia ele que queria consertar uma coisa. Queria consertar um encontro com uma garota. Queria que ele não acontecesse. E assim arranjou as coisas.

- Devo perguntar o que aconteceu com ele?

- Se quer saber, consequentemente deve. Porém não é preciso desta vez. Ao consertar o que queria foi mandado para onde estava antes da audiência. Mas como dito, perigoso é tocar nas linhas do tempo. Um leve borrão altera uma grande história e ainda pode transformá-la em grande tragédia. Aconteceu exatamente isto: Ao não realizar o encontro, ele não cativou a garota com quem se encontraria. A única que realmente iria cativar. Assim ele nao tinha alguém que pensava em seu retorno. Assim não teve lugar para onde retornar, e vagou errante pelo resto de seus dias. Sei que você pretende falar algo a respeito disso, mas não considero uma atitude sábia brincar com regentes desse nível. Sábio em seu caso é aproveitar os seus próximos cinco minutos de estada aqui para suas próximas duas horas e meia de caminhada, assim estará a dois dias de seu destino. Lembre-se de descansar sempre ao meio-dia.

Assim o velho volta a fitar a fogueira, absorto em seus pensamentos tão eternos quanto aquela chama.