Veja você

Veja você

De sonhos e fantasias se desfez aquela noite. Com as roupas que despia, ao chão se iam pedaços de alma. A máquina de lavar fazia embaraços nos velhos tecidos que não usaria mais.

“Basta, Ana” sussurrava a si mesma, enquanto sangrava dores do passado. Exausta de tudo. Dos remédios amarrotando as gavetas, dos calafrios, do aperto surdo no peito. Chorou como louca, quis arrebentar os pulsos.

A saudade machucava, impiedosa.

“Vá tomar no cu” dizia agora. “No cu” “No cu” “No cu” reverberava ao som da melodia da máquina de lavar.

Não conseguia mais sustentar os membros. Tudo dependia do coração, e o coração era aquela miséria adormecida, aquela pedra. Porra, como podia?

Havia de dar um jeito.

“Basta”. E estava decidida. Ia ao bar, a praia, a porra toda se fosse necessário. Mas o coração não podia mais ficar daquele jeito. Naquele completo declínio, naquela morte. Porra! Ninguém consegue viver desse jeito, é suicídio.

Então pôs a melhor roupa, pintou os cabelos, coloriu as unhas. Foi-se como uma louca resignada a não sofrer, era um tipo de mulher! Podia arrancar suspiros só do jeito como fazia o salto enterrar no chão.

Numa vontade de superar, de resplandecer. De ser melhor. De atingir o gozo máximo da vida, sem precisar de ninguém do passado. Porque não tem como voltar no tempo, né, porra? é a vida.

Rafaela Barros
Enviado por Rafaela Barros em 27/08/2010
Reeditado em 27/08/2010
Código do texto: T2463367
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.