Uma lição de morte
Carlinhos tinha apenas dois anos e meio e uma das coisas mais felizes da sua tenra vida era a 'Betinha", sua irmanzinha de cinco anos. Com ela ele brincava e criavam juntos a realidade que lhes convinha, pois a propriamente dita era um caos. Eles eram reis , rainhas, amantes, dominadores, mães, pais, filhos, heróis e nunca bandidos, pois era um sentimento puro e verdadeiro que lhes unia. Não havia nenhum interesse denominacional, religioso ou secular que lhes impusesse subordinação. Na busca da própria realidade, burlavam as leis mais severas dos adultos. Um prato de comida, por exemplo, poderia ser, tanto a montanha que fazia fundos com a pequena cidade em que viviam, como um simlpes morrinho de areia e, às vezes, até um suculento e verdadeiro prato de comida mesmo, quando a fome era maior que a fantasia. O ambiente de pobreza que circundava o mundo desses heróis, não passava do mais suntuoso castelo que se podia imaginar. As pessoas eram lindas, eles, sempre muito mais e a vida era uma festa de gala e galanteios.
Certo dia, sem que ninguém desse explicações, a Betinha começou a tossir muito e a sentir falta de ar, o povo chamava aquilo de "Coqueluche" ou "Tosse-comprida" pois que parecia nunca ter fim; uma tosse que começava e só parava quando a criança já estava sem ar e totalmente desfalecida. Depois de alguns dias de convalescência, sem que houvesse melhoras no quadro clínico de Betinha, resolveram chamar, do Rio de Janeiro, a madrinha da irmã mais velha, a D. Teresinha, que trabalhava como enfermeira e poderia conhecer um pouco mais desse mal tão temido e letal para as crianças da época.
Com a chegada da D. Teresinha os ânimos se exaltaram e houve um certo ar de esperança no semblante de todos, porém depois de compressas, injeções, chás, depois da criança ser untada em vários tipos de óleos, uma última tentativa, foi um tipo novo de injeção que seria aplicada em Betinha como a última chance de salvação, coisa que Carlinhos assistia com um certo ar de desconfiança, ele achava que, se Betinha gritava tanto, aquilo não lhe podia fazer bem. Como diz o dito popular: "Foi dito e feito", depois daquela injeção a menina não se mecheu mais.
Carlinhos, pensava que a maninha tinha sarado e estava dormindo, porém as pessoas estavam sérias e algumas delas até choravam. Preparavam uma mesa que parecia muito diferente das de costume, com velas a adereços desconhecidos e qual não foi a surpresa do menino: no centro de todas essas coisas estava Betinha, linda, ataviada como noiva, o que deu novas esperanças ao herói, a coisa estranha é que não paravam de chorar. Carlinhos, que pensava que aquilo tudo acabaria com o fato de Betinha se levantar e juntos começarem a bolar novas bricadeiras, foi tomado de surpresa quando a colocaram em uma caixa e levaram-na sem darem explicações. O menino ficou por algum tempo por ali, sozinho, acompanhado por vizinhos e na esperança de ver Betinha correndo pelo quintal como que por encanto e, olhava dentro da "partilera" onde brincavam sempre, atrás da casa, la no matinho, enfim, em todos os lugares de costume Porém, não a encontrou. Depois de algum tempo, as pessoas foram retornando pra casa, Carlinhos prestava atenção, não via a caixa nem tampouco a menina. As pessoas, agora um pouco mais calmas, porém com ar de cansadas, não lhe davam atenção nem explicações do paradeiro da menina. O tempo foi passando a saudade aumentando, a saúde meio comprometida em função da tristesa, vez ou outra se via como que automaticamente procurando a menina pelos cantos. Não havia com quem partilhar essa nova e triste realidade.
Certo dia o menino começou a tossir, e a "Madrinha", que ficara um pouco mais de tempo pra acalentar os queridos pela falta de Betinha, vendo a criança naquele estado resolveu antecipar o tratamento e o menino, inocente, quando viu a mulher preparando a injeção, se lembrou do que tinha acontecido com sua irmanzinha e tentou correr, porém sem sucesso; Lhe agarraram no momento em que tentava subir a escadinha que dava da cozinha para a sala, sua posição, de quatro, facilitou o golpe de agulha que lhe penetrou certeiro na bunda e nos recônditos da alma e o desespero foi tanto que tentou encontrar sua irmanzinha, mesmo sabendo que seria quase impossível, para poder reclamar sobre essa violência.
Os dia que se passaram foi esperando a próxima etapa do ritual. E o menino se perguntava: "Por que será que, desta vez, depois da injeção, não prepararam uma mesa com velas e choros e me colocaram ali no meio para depois me levarem dentro de uma caixinha como fizeram com Betinha? Se me colocassem pertinho da dela, pelo menos eu teria com quem brincar.