RUMO À UNIVERSIDADE

– Roberto Carlos, meu filho, como foi chegar a uma situação dessas? – Indaga, aos prantos, dona Brigite, lenço encardido no rosto chupado e enrugado, seguro por uma mão trêmula, ainda a imaginar o tamanho da vergonha quando retornasse para sua cidadezinha no recôncavo baiano, a encarar vizinhos e curiosos, principalmente seus preciosos clientes, os quais a ajudavam no sustento difícil de tantos filhos.

Carlinhos Fungador abaixa a cabeça, mais por saber que a mãe nunca o compreenderia. Mesmo vivendo na pobreza, sempre foi amigos de todos na pequena São Félix. E quando saiu para arrumar a vida, disse a si mesmo que só retornaria rico. E hoje, sabia impossível encarar o povo ou até mesmo pensar em um dia ter algum reconhecimento. Por isso, respirou fundo, levantou-se do disforme banco de madeira, afastou-se dois passos, acendeu um plaza e após longa e pensativa tragada, mirou o olhar duro e frio naquele vai e vem indiferente, todos a demonstrar no tenso andar toda a aflição, a angústia corroendo sofridos corações.

Bom de prosa, jogador arisco no ataque, pronto para qualquer parada, Carlinhos não tivera qualquer dificuldade mal entrara na adolescência. Estava sempre pronto para fazer algum pagamento ou levar embrulhos de um ponto a outro, ganhando a sua ponta. E depois do baba, onde atuava como atacante e primoroso goleador, aproveitava a resenha no bar de Chico para tomar uma gelada na ponga dos amigos ricos. E assim levava aquela vidinha marrenta, sonhando sempre alto, a invejar os carros com som potente que circulava em seu meio, o dinheiro que saia fácil do bolso dos presentes, os acertos para programas na vizinhança e até na capital, ele sempre excluído. Até que um dia, vinte e um anos mal completados, operador de jogo do bicho já bem aprumado, induzido por João Raimundo, vizinho amigo e pedreiro na capital, o seguiu para realizar o tão almejado desejo.

Stephanie sonhava com seu príncipe encantado desde os treze. E depois de muitos e muitos namoricos naquele bairro populoso e pobre, onde há muito os falatórios a perseguiam, viu no mulato falante de rosto redondo, dentes alvos e olhos risonhos o seu gostoso futuro. E nem bem completou dezessete, quase seis meses de muita paixão, já estava na casinha acanhada, com sacrifício por ele montada, mal viu a barriga crescer. Por mais alugado, era um cantinho aconchegante e a cada semana Carlinhos trazia do centro da cidade mais uma novidade, o amor equilibrando a ausência de um ou outro conforto. Prazer maior era acompanhá-lo bem cedinho na estação, a aguardá-lo ansiosa nem bem anoitecia, a vê-lo aparecer radiante balançando o pequeno pacote de pão. Em completa felicidade os dias se passaram e nem bem os meses se completaram, Maikon nasceu.

E assim, a se confirmar que alegria de pobre tem receio de dureza, um sofrido Carlinhos, a fungar mais ainda, passou duas angustiantes semanas a acompanhar a descabelada mulher na enfermaria do Iperba, maternidade onde as chorosas orações eram a única certeza do prematuro primogênito, vingar. E tantas foram as rezas que Maikon venceu a arisca morte e puderam, enfim, recolher-se na doce casinha de dois cômodos, recheada de puro amor. Recompostos e já devidamente alojados, o radiante papai ficou por demais desolado ao saber-se desempregado e mais aflito ficou quando o leite da princesa secou e ainda cabisbaixo para casa retornou ao dar-se conta do absurdo valor cobrado na farmácia da esquina pelo leite especial, o qual o filho utilizaria obrigatoriamente nos próximos dias.

As noites em claro foram lhe consumindo a razão e o choro fraco e contínuo de Maikon exigindo de imediato uma solução. E quanto mais andava e procurava mais certeza tinha que ninguém o ajudaria, e o governo, em qualquer esfera, seria essa coisa fria e distante, o que sempre dele se espera. E foi aí, em meio ao desespero, que juntou-se a Leo e Perna e praticou o assalto. E saiu conforme o planejado: sem agressões ou qualquer morte. E por mais que descoberto e recolhido à penitenciária, deu para comprar com o pouco que pode esconder o alimento do filhinho por tempo suficiente a dar sequência ao planejado com Raimundinho, pouco antes de pensar em matar-se, levando a família junto.

Vendo a mãe ir-se, Carlinhos deu a última tragada, pisou na guimba do cigarro e em passadas largas, atravessou o pátio do presídio em sentido contrário, dando por encerrada a primeira visita em pouco mais de três meses. E estava feliz e aliviado. Ainda era cedo para a visita da princesa e seu pequeno príncipe. Mas sabia que estariam protegidos nesses três anos e três meses de clausura. Compadre Raimundo sempre estaria por perto e o auxílio-reclusão de mais de um mínimo e meio por mês em todo o período – o qual o compadre já tinha ciência e lhe instruíra –, iria garantir o sustento da família, dando para guardar um pouco na poupança. E a cada dia aprenderia um pouco mais. E esse mesmo governo que não lhe enxergou enquanto honesto e decente do lado de fora, ofertava-lhe essa triste moradia e as mínimas condições para a sobrevivência e ainda com reembolso mensal. E sairia dali formado, com condições de oferecer um futuro melhor para a família. Assim esperava.

RAbreu
Enviado por RAbreu em 26/08/2010
Reeditado em 11/10/2010
Código do texto: T2460757