Samambaias, um conto verde
Serei sincera, não sei como começar esse conto, pois ele não possui um verdadeiro começo nem nada dessas coisas que dão uma desenvoltura, que alimentam. Vou falar de uma menina, com seus olhos barulhentos, sua saia de veludo e sete passos.
Então como quem não sabe começar, vou caminhando entre pedras, e no sangue que vai escorrendo entre os dedos tento absorver alguma linha, idéia, desenho formado de pedra e sangue, não, não, essa história não tem nada a ver com o que você está pensando, não que você pense em algo e que eu saiba o que se passa por sua cabecinha, talvez miúda com cabelos chapados, talvez volumosa de cabelos exagerados, tanto faz. Onde estão meus modos, deixe eu lhe apresentar nossa protagonista(se você leu o livro em que tirei isso terá certeza agora que estou desesperada por um começo, o que me faz plagiar, mas continuemos) se chama, não, não importa o nome, importa que vivia ali entre fios que tecia, malabarista, outras vezes palhaça do seu destino, acreditava um pouco.
Então ela entrou naquele bazar, talvez pelas cores fortes e calorosas que tinha, talvez pelo cheiro de incenso que se espalhava por metros, talvez pra disfarçar o mofo, se a perguntasse agora que cheiro tinha não saberia ao certo dizer, algo entre lavanda e orquídeas, mas entrou, e logo quando movimentou as pernas, sete passos, viu ele, primeiro os olhos se contemplaram por instantes, desviou, ele não, depois a vontade de olhar de novo não sabendo bem disfarçar, mesmo assim ousou, o que não fazia a tanto tempo, não que fosse tamanha a ousadia, mas calma, vamos por partes, então ousou e olhou novamente, ele permaneceu inalterado tinha um ar de quem se divertia com a situação, ela corou.
O segundo encontro, pois precisava haver uma continuação depois de tamanha perplexidade do primeiro, foi em ruas, avenidas, praças, não sei se pode se chamar de encontro, tão rápido e calado. Ela estava no carro com os pais, eram algo entre oito e oito e seis da noite, iriam jantar, ainda não sabiam se na pizzaria ou quem sabe em algum restaurante japonês, chinês, nunca sabia diferenciar, o sinal fechou, batia uma chuva fina e ela observava aquela dança pela janela, foi quando viu ele sentado dentro de uma cafeteria com um livro nas mãos, quis pensar que lia Caio F. e pensou, achou estranho o fato dele ali aquelas horas, mas o sinal abriu e foi.
O terceiro, sim en-con-tro, foi numa sexta feira cinza sem chuva ainda, ela passeava, andava assim à toa, olhando vitrines, objetos que a olhavam de volta sem dizer nada, nem expressar. Ele comprava um livro numa sebo próxima de onde andava a menina, depois saiu e ascendeu um cigarro lento e longo, e entre um tragar e outro a viu, vestia uma saia de veludo num azul sutil, toda tão dentro de si mesma que ele quase entrou por janelas, nem parecia mais aquela menina corada do bazar onde havia comprado a saia que ele na hora achou de mau gosto, mas agora via que lhe caia perfeita, ela distraída, num mundo seu, tão confiante, e cheia, e torta, ele gostou de vê-la tão livre, e passou minutos até que ela percebesse que era observada, olhou pra ele com seus olhos vibrantes, dessa vez não corou, sorriu, não muito largo pra não assustar, e ele se sentindo meio ladrão do mundo que a absorvia segundos atrás, percebeu rápido que aquilo era tudo que podiam se oferecer, olhares que pedem tanto, que falam, exclamam, pensou, a magia, e por isso, por perceber tanto assim, tragou mais uma vez seu cigarro que agora já não era tão lento, ofegava na língua, deu sete passos até ela, lhe entregou o livro, que afinal não era Caio F. a menina o apertou entre os seios(o livro, não o rapaz) chegou a abrir a boca, mas também percebeu que algumas gavetas devem permanecer fechadas, não janelas. E continuaram os dois em seus gingados frouxos, cada um pra um lado.