SÃO MIGUEL VOOU
SÃO MIGUEL VOOU
O cemitério da Vila de São João era simples, mas era antigo e o povo o amava, porque ali estavam enterrados seus antepassados e seus amigos e tinha sempre alguém por lá fazendo visitas saudosas a seus mortos e orando para o eterno descanso deles; eram poucos acres de terra abençoada, cercado por um muro de pedras superpostas, feito por escravos.
O que chamava a atenção, era a singela e linda capelinha de linhas simples, retangular com telhado de telhas coloniais e uma porta grande pintada de um azul barroco; a atração maior naquela modesta capela era uma imagem de madeira entalhada, de um São Miguel Arcanjo muito lindo, com sua balança na mão para ver o peso das almas e encaminha-las.
Durante e depois das orações, as pessoas olhavam encantadas para o São Miguel e todas sem exceção, tinham o desejo de leva-lo para suas casas, mas ficava apenas no sonho, porque a mais que centenária e valiosa imagem, não era propriedade de ninguém em particular e sim patrimônio de toda a comunidade e por isso era preservada e respeitada.
O velho cemitério era administrado pelo vigário da paróquia de São João e muitas historias eram contadas por antigos moradores, sobre padres que tentaram vender a imagem varias vezes, sempre para fazer reformas na igreja matriz, mas o povo protestava e a desagradável idéia era deixada de lado, até uma próxima tentativa e o resultado era sempre o mesmo: negativo.
Os anos foram passando e aquela imagem estava sempre lá pesando as almas dos mortos da vila e decidindo quem ia para o céu, purgatório ou para o inferno e o povo acreditava nisso e procurava viver honestamente, com medo do julgamento da balança de São Miguel; quando as crianças se portavam mal, as mães diziam: cuidado com São Miguel.
Naquela vila morava uma família muito rica e que se julgava com todos os direitos sobre tudo e um parente deles que morava na capital do estado, era colecionador e negociante de antiguidades e vivia de olho em cima do amado São Miguel da capelinha do cemitério, mas durante anos ele lhe foi negado, mas quando o patriarca da família morreu, tudo mudou.
Os herdeiros do velho chefe da família, se consideravam letrados e riam do medo que o povo tinha da balança do Santo e aconteceu o pior, porque uma neta solteirona do velho era ambiciosa e quando o parente antiquário lhe ofereceu muito dinheiro pela imagem, ela pegou o São Miguel no cemitério e o vendeu; quando o povo deu pela falta dele, era tarde.
Foi uma revolta geral, mas ninguém tinha certeza de quem era o autor do roubo e por isso nada podiam fazer, tinham desconfianças, mas não possuíam provas e o jeito foi canalizarem suas orações para o ausente São Miguel, pedindo que ele reservasse o pior lugar do inferno para o ladrão ou ladra e que lá ficasse até o dia do juízo final.
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
texto registrado no EDA