O menino da Praça da Sé
Um dia, uma mulher sorriu nas calçadas do tempo, e observou um meninote brincando com a brisa e um pedaço de papel preso numa linha. O guri segurava firme com a mãozinha as elevações do brinquedo, e a bela senhora percebia o riso do garoto acompanhando com as pupilas a pequena folha de papel branca bailando no ar. Sem demora, a senhora sentada no banco da praça soltou fortes gargalhadas e o menino olhou de banda e indagou:
-Dona! De quem tanto a senhora sorrir? Aqui não há nada para que se produza tantas alegrias.
Sem se importar, a senhora continuou a sorrir. Encabulado, ele pergunta:
-Dona! O que há de tanta explosão de alegria em sua boca? Já olhei em minha volta e não vejo nada para tantas alegrias.
A mulher retorceu os braços e prosseguiu com risadas longas e abertas. Instantes, em que o boy se pôs à frente, fixando os olhos na bela face da mulher, e com surpresa ela disse:
-Eu estou rindo do retrato da minha infância. Não é nada contra você. Apenas, vejo dentro de mim o quanto eu mudei na vida sem sentir a perfeita harmonia de viver. Eu não tive a meiguice para atravessar com claridade dos meus olhos e nem a brisa para balançar os meus cabelos. De fato, eu sofri na vida e esqueci de que a existência é uma criança tão pequena quanto você.
O miúdo, repuxando a linha, inquiriu:
-A senhora não é feliz? Mesmo com este cordão de ouro no pescoço e com tantas argolas e brilhantes que faz a senhora mais bonita? A senhora não vive bem?
Como um relâmpago que corta o céu, a senhora respondeu de imediato:
-Garoto! A riqueza não compra a alegria e nem se presenteia com o amor. Hoje, eu sou endinheirada, mais nunca tive uma face tão ingênua e leve para brincar com o tempo. Por isso, eu fico rindo de você que brinca na exultação das horas.
Intrigado, o menino pergunta:
-Por que os adultos não respondem as perguntas dos pequenos? Vou lhe perguntar pela última vez. A senhora não é feliz?
A mulher respondeu:
-Em não me sinto muito feliz, pois, perdi a juventude sem apreciar o que há de mais belo nela. E hoje vejo você achincalhando sozinho sem nenhum problema, abrindo o seu olhar ao tempo e deslumbrando os seus sentimentos. Ah! Como eu gostaria de voltar à infância!
O menino retrucou segurando o brinquedo na mão direita:
-Sabe de uma coisa. A senhora tem tudo nas mãos para ser feliz basta querer com o seu coração.
A mulher respondeu.
-É difícil caminhar pisando em espinhos e pedras o tempo todo, hoje é tudo o que eu passo. Por isso, é difícil pensar em ser feliz. A beleza é o encanto de nossas vozes e o refrão dos meus pensamentos. Na sua idade, eu nunca pensei o que eu seria hoje, nunca imaginei o que eu poderia construir dentro de mim. E o tempo foi passando, passando igual às nuvens que passam no céu sem deixar quaisquer rastros. Perdi grandes oportunidades, e as horas não me devolvem com a idade que hoje eu tenho. Só lamento com tantos problemas que me deixam mais angustiada.
O menino falou:
-A senhora não é rica? Quem tem riqueza não tem tudo? Não é o ditado dos mais velhos? Por isso, eu lhe peço. Não fique triste, dona. Amanhã será um dia feliz basta querer.
A mulher complementou dizendo:
-Mas, é isto garoto. Quem é pobre ambiciona a riqueza para suprir as suas necessidades. Eu não estou me referindo a todos os casos, cada caso tem a sua exceção. Você não imagina, não sabe que a minha vida é cheia de problemas para todos os lados que me viro. E só vejo problemas. Não me dão trela, e hoje resolvi sentar aqui e ver o tempo passar. Agora aprendi que a vida é assim, tudo passa, tudo muda em nossa volta sem percebemos.
O garoto ouviu e complementou:
-Muito bem. Eu não tenho problemas. A senhora pode ver que eu sou como esse brinquedo que voa sem destino e cai em frente aos seus olhos e nada mais acontece.
A mulher interpela dizendo:
-Você é feliz garoto brincando como se nada existisse de errado, e as horas passam sem mexer os ponteiros do sol.
Sem interrupção, o guri indaga:
-Eu feliz? Não conheço essa palavra, dona. A minha alegria é percorrer durante o dia o vento, e choro à noite quando o sol não me clareia com a fome que tanto me procura. A cidade para, e todos estão em suas casas enquanto eu perambulo pelas calçadas desta praça como a senhora está vendo. A senhora deve ter uma casa bonita, automóveis, muito dinheiro, um bom marido e filhos. Eu lhe pergunto dona. É assim que a senhora enxerga a minha alegria ao brincar com um pedaço de papel numa linha?
A bela senhora se explica dizendo:
-Garoto! Eu não falei nada demais. Eu não quero lhe magoar em nada, por favor! Eu sei que a felicidade é procurar viver bem com a vida e sem problemas. Agora, eu..., no meu caso é diferente. Não conheço as suas dores, simplesmente achei engraçado você brincando aqui na praça, tão feliz com este pequeno brinquedo.
Sem demora, o miúdo atravessou um olhar de banda e disse:
-Dona, eu brinco aqui para passar o tempo e voar neste pedaço de papel para esquecer a fome que tanto me maltrata todos os dias. Dê-me um dinheiro para eu comprar um pão?
A mulher então se virou e disse:
-Pena que eu ando apressada, sem tempo e sem dinheiro, menino! Você não imagina que eu não tenho tempo pra nada, sou ocupada demais. Mas, fique tranquilo. Logo, eu mandarei o meu motorista trazer um bom café da manhã para você.
Risonho, o guri disse:
-Dona, muito obrigado! A senhora não sabe como eu vou ficar contente no outro dia que ainda nem chegou. A senhora tem um coração de ouro, muito grande mesmo. Mais eu lhe digo uma verdade. E... se eu fosse a senhora... Eu chamaria aquele garçom daquele restaurante, e pediria um jantar para esse moleque. Entendo que a senhora anda sempre apressada e sem tempo. As pessoas tem sempre uma desculpa esfarrapada em dizer que o tempo toma toda a sua vida. Eu lhe digo com sinceridade. A senhora não pode sentir a minha dor e nem a minha fome, muito menos ter preferência pelo meu amor. Dona! Só pode falar e sentir fome quem já passou fome de amor para dar. A fome não espera no meu triste futuro e nem as horas que se apressam para me abreviar.
Naquele momento, o menino saiu correndo segurando a extremidade da linha na mão, e no ar flutuava o pedaço de papel na aquisição do mais belo equilíbrio da inocência. E desse modo, a bela senhora ficou observando apenas os passos flexíveis daquele infante que se desdobravam na cadência da mãe natureza.
E com tardança, o crepúsculo crescia nas diminutas horas, e encobria os olhos da mulher abastada, logo, várias gotículas incolores rolaram pelo semblante velozmente. Ela, passando as mãos, ainda tentou colocar as pupilas esverdeadas nas trilhas vazias do menor que desaparecia na imensidão da Praça da Sé.
E nas andanças do convívio humanístico, o remorso ardeu no peito da mulher com a tradução das amenas palavras do guri que feriu as mais densas sensações da mesma. A mulher saiu apressada em busca do menino, porém, já era tarde para socorrer com a última bondade dos seus olhos.
A bondade é assim, tem que ser acionada na atualidade e o amor têm que se dito no presente para que o futuro não lhe reserve outro destino.
Domingo, 07 de outubro de 1973, 20:40 horas,
Naquele dia corria a notícia na minha rua de que Israel havia sido atacada de surpresa pelos egípcios, era o início de uma guerra sangrenta.
Um dia, uma mulher sorriu nas calçadas do tempo, e observou um meninote brincando com a brisa e um pedaço de papel preso numa linha. O guri segurava firme com a mãozinha as elevações do brinquedo, e a bela senhora percebia o riso do garoto acompanhando com as pupilas a pequena folha de papel branca bailando no ar. Sem demora, a senhora sentada no banco da praça soltou fortes gargalhadas e o menino olhou de banda e indagou:
-Dona! De quem tanto a senhora sorrir? Aqui não há nada para que se produza tantas alegrias.
Sem se importar, a senhora continuou a sorrir. Encabulado, ele pergunta:
-Dona! O que há de tanta explosão de alegria em sua boca? Já olhei em minha volta e não vejo nada para tantas alegrias.
A mulher retorceu os braços e prosseguiu com risadas longas e abertas. Instantes, em que o boy se pôs à frente, fixando os olhos na bela face da mulher, e com surpresa ela disse:
-Eu estou rindo do retrato da minha infância. Não é nada contra você. Apenas, vejo dentro de mim o quanto eu mudei na vida sem sentir a perfeita harmonia de viver. Eu não tive a meiguice para atravessar com claridade dos meus olhos e nem a brisa para balançar os meus cabelos. De fato, eu sofri na vida e esqueci de que a existência é uma criança tão pequena quanto você.
O miúdo, repuxando a linha, inquiriu:
-A senhora não é feliz? Mesmo com este cordão de ouro no pescoço e com tantas argolas e brilhantes que faz a senhora mais bonita? A senhora não vive bem?
Como um relâmpago que corta o céu, a senhora respondeu de imediato:
-Garoto! A riqueza não compra a alegria e nem se presenteia com o amor. Hoje, eu sou endinheirada, mais nunca tive uma face tão ingênua e leve para brincar com o tempo. Por isso, eu fico rindo de você que brinca na exultação das horas.
Intrigado, o menino pergunta:
-Por que os adultos não respondem as perguntas dos pequenos? Vou lhe perguntar pela última vez. A senhora não é feliz?
A mulher respondeu:
-Em não me sinto muito feliz, pois, perdi a juventude sem apreciar o que há de mais belo nela. E hoje vejo você achincalhando sozinho sem nenhum problema, abrindo o seu olhar ao tempo e deslumbrando os seus sentimentos. Ah! Como eu gostaria de voltar à infância!
O menino retrucou segurando o brinquedo na mão direita:
-Sabe de uma coisa. A senhora tem tudo nas mãos para ser feliz basta querer com o seu coração.
A mulher respondeu.
-É difícil caminhar pisando em espinhos e pedras o tempo todo, hoje é tudo o que eu passo. Por isso, é difícil pensar em ser feliz. A beleza é o encanto de nossas vozes e o refrão dos meus pensamentos. Na sua idade, eu nunca pensei o que eu seria hoje, nunca imaginei o que eu poderia construir dentro de mim. E o tempo foi passando, passando igual às nuvens que passam no céu sem deixar quaisquer rastros. Perdi grandes oportunidades, e as horas não me devolvem com a idade que hoje eu tenho. Só lamento com tantos problemas que me deixam mais angustiada.
O menino falou:
-A senhora não é rica? Quem tem riqueza não tem tudo? Não é o ditado dos mais velhos? Por isso, eu lhe peço. Não fique triste, dona. Amanhã será um dia feliz basta querer.
A mulher complementou dizendo:
-Mas, é isto garoto. Quem é pobre ambiciona a riqueza para suprir as suas necessidades. Eu não estou me referindo a todos os casos, cada caso tem a sua exceção. Você não imagina, não sabe que a minha vida é cheia de problemas para todos os lados que me viro. E só vejo problemas. Não me dão trela, e hoje resolvi sentar aqui e ver o tempo passar. Agora aprendi que a vida é assim, tudo passa, tudo muda em nossa volta sem percebemos.
O garoto ouviu e complementou:
-Muito bem. Eu não tenho problemas. A senhora pode ver que eu sou como esse brinquedo que voa sem destino e cai em frente aos seus olhos e nada mais acontece.
A mulher interpela dizendo:
-Você é feliz garoto brincando como se nada existisse de errado, e as horas passam sem mexer os ponteiros do sol.
Sem interrupção, o guri indaga:
-Eu feliz? Não conheço essa palavra, dona. A minha alegria é percorrer durante o dia o vento, e choro à noite quando o sol não me clareia com a fome que tanto me procura. A cidade para, e todos estão em suas casas enquanto eu perambulo pelas calçadas desta praça como a senhora está vendo. A senhora deve ter uma casa bonita, automóveis, muito dinheiro, um bom marido e filhos. Eu lhe pergunto dona. É assim que a senhora enxerga a minha alegria ao brincar com um pedaço de papel numa linha?
A bela senhora se explica dizendo:
-Garoto! Eu não falei nada demais. Eu não quero lhe magoar em nada, por favor! Eu sei que a felicidade é procurar viver bem com a vida e sem problemas. Agora, eu..., no meu caso é diferente. Não conheço as suas dores, simplesmente achei engraçado você brincando aqui na praça, tão feliz com este pequeno brinquedo.
Sem demora, o miúdo atravessou um olhar de banda e disse:
-Dona, eu brinco aqui para passar o tempo e voar neste pedaço de papel para esquecer a fome que tanto me maltrata todos os dias. Dê-me um dinheiro para eu comprar um pão?
A mulher então se virou e disse:
-Pena que eu ando apressada, sem tempo e sem dinheiro, menino! Você não imagina que eu não tenho tempo pra nada, sou ocupada demais. Mas, fique tranquilo. Logo, eu mandarei o meu motorista trazer um bom café da manhã para você.
Risonho, o guri disse:
-Dona, muito obrigado! A senhora não sabe como eu vou ficar contente no outro dia que ainda nem chegou. A senhora tem um coração de ouro, muito grande mesmo. Mais eu lhe digo uma verdade. E... se eu fosse a senhora... Eu chamaria aquele garçom daquele restaurante, e pediria um jantar para esse moleque. Entendo que a senhora anda sempre apressada e sem tempo. As pessoas tem sempre uma desculpa esfarrapada em dizer que o tempo toma toda a sua vida. Eu lhe digo com sinceridade. A senhora não pode sentir a minha dor e nem a minha fome, muito menos ter preferência pelo meu amor. Dona! Só pode falar e sentir fome quem já passou fome de amor para dar. A fome não espera no meu triste futuro e nem as horas que se apressam para me abreviar.
Naquele momento, o menino saiu correndo segurando a extremidade da linha na mão, e no ar flutuava o pedaço de papel na aquisição do mais belo equilíbrio da inocência. E desse modo, a bela senhora ficou observando apenas os passos flexíveis daquele infante que se desdobravam na cadência da mãe natureza.
E com tardança, o crepúsculo crescia nas diminutas horas, e encobria os olhos da mulher abastada, logo, várias gotículas incolores rolaram pelo semblante velozmente. Ela, passando as mãos, ainda tentou colocar as pupilas esverdeadas nas trilhas vazias do menor que desaparecia na imensidão da Praça da Sé.
E nas andanças do convívio humanístico, o remorso ardeu no peito da mulher com a tradução das amenas palavras do guri que feriu as mais densas sensações da mesma. A mulher saiu apressada em busca do menino, porém, já era tarde para socorrer com a última bondade dos seus olhos.
A bondade é assim, tem que ser acionada na atualidade e o amor têm que se dito no presente para que o futuro não lhe reserve outro destino.
Domingo, 07 de outubro de 1973, 20:40 horas,
Naquele dia corria a notícia na minha rua de que Israel havia sido atacada de surpresa pelos egípcios, era o início de uma guerra sangrenta.