Um dia, acontece...
Ela estava se preparando para sair. Trabalhar. Escolheu a blusa de listas, preta e bege, na horizontal. Era uma blusa de malha justinha, inadequada para o seu corpo de mulher madura, mas estava frio, ia usar um casaco sobre ela. Calça e casaco pretos. O sapato também, preto. Bolsa vermelha, para alegrar. Ia ficar bonito. Pegou a blusa para colocar, na posição correta para enfiar pela cabeça e passar os braços pela abertura das mangas. O decote em U na frente, a etiqueta da malharia atrás. Notou um furinho no tecido, perto da etiqueta. Esquisito, pensou,parece um corte feito com tesoura. Não podia ser, a etiqueta estava ali, intacta. Não tinha sido cortada e por descuido também cortado a blusa. Traça? Não, não era traça, era um corte de tesoura. Desistiu de pensar no assunto, nem a blusa valia tanto pensamento. O cuco, na sala, avisou que o tempo passava. Enfiou a blusa pela cabeça, passou os braços pela abertura das mangas. Sentiu algo lhe apertando a base do pescoço. Ajustou a blusa no corpo e antes de colocar o casaco olhou no espelho. Nada mau, pensou, vendo o resultado, os contornos de seu corpo ainda bem estabelecidos. O incômodo na garganta continuava, achegou-se mais perto do espelho para olhar: tinha vestido a blusa de trás para frente. O corte no tecido parecia maior. Exasperada retirou a blusa do corpo e repetiu todo o ritual. Ajeitou a blusa no ar e virou-a de maneira que agora poderia vesti-la corretamente. Enfiou as mãos primeiro, dessa vez, de olho na etiqueta que marcava as costas da blusa. Colocou, ajeitou e sentiu outra vez o incômodo na garganta. Levantou a cabeça e disse, em voz alta: Não acredito!Novamente tinha vestido a roupa de forma errada. Lá estava a blusa apertando a garganta e o buraco, logo abaixo da etiqueta. O buraco parece maior, pensou, a exasperação a um passo do desespero. E assim foi mais uma vez e outra vez e a cada vez o buraco lhe parecia maior.
Quando o marido chegou em casa, ao anoitecer, estranhou o silêncio da casa, as luzes apagadas. Gritou o nome da mulher, perguntou onde você está? Acendeu as luzes da casa, uma por uma, enquanto a procurava. Foi encontrá-la no quarto, sentada na beirada da cama, olhando fixamente para o espelho. Estava quase vestida: os sapatos pretos, a calça preta, o sutiã preto, ao seu lado a bolsa vermelha. Nas mãos, a blusa listada de preto e bege, cortada a partir da etiqueta até o cós. A mulher olhou para ele com olhos chorosos e disse: Não consigo vestir esta blusa!
Ela estava se preparando para sair. Trabalhar. Escolheu a blusa de listas, preta e bege, na horizontal. Era uma blusa de malha justinha, inadequada para o seu corpo de mulher madura, mas estava frio, ia usar um casaco sobre ela. Calça e casaco pretos. O sapato também, preto. Bolsa vermelha, para alegrar. Ia ficar bonito. Pegou a blusa para colocar, na posição correta para enfiar pela cabeça e passar os braços pela abertura das mangas. O decote em U na frente, a etiqueta da malharia atrás. Notou um furinho no tecido, perto da etiqueta. Esquisito, pensou,parece um corte feito com tesoura. Não podia ser, a etiqueta estava ali, intacta. Não tinha sido cortada e por descuido também cortado a blusa. Traça? Não, não era traça, era um corte de tesoura. Desistiu de pensar no assunto, nem a blusa valia tanto pensamento. O cuco, na sala, avisou que o tempo passava. Enfiou a blusa pela cabeça, passou os braços pela abertura das mangas. Sentiu algo lhe apertando a base do pescoço. Ajustou a blusa no corpo e antes de colocar o casaco olhou no espelho. Nada mau, pensou, vendo o resultado, os contornos de seu corpo ainda bem estabelecidos. O incômodo na garganta continuava, achegou-se mais perto do espelho para olhar: tinha vestido a blusa de trás para frente. O corte no tecido parecia maior. Exasperada retirou a blusa do corpo e repetiu todo o ritual. Ajeitou a blusa no ar e virou-a de maneira que agora poderia vesti-la corretamente. Enfiou as mãos primeiro, dessa vez, de olho na etiqueta que marcava as costas da blusa. Colocou, ajeitou e sentiu outra vez o incômodo na garganta. Levantou a cabeça e disse, em voz alta: Não acredito!Novamente tinha vestido a roupa de forma errada. Lá estava a blusa apertando a garganta e o buraco, logo abaixo da etiqueta. O buraco parece maior, pensou, a exasperação a um passo do desespero. E assim foi mais uma vez e outra vez e a cada vez o buraco lhe parecia maior.
Quando o marido chegou em casa, ao anoitecer, estranhou o silêncio da casa, as luzes apagadas. Gritou o nome da mulher, perguntou onde você está? Acendeu as luzes da casa, uma por uma, enquanto a procurava. Foi encontrá-la no quarto, sentada na beirada da cama, olhando fixamente para o espelho. Estava quase vestida: os sapatos pretos, a calça preta, o sutiã preto, ao seu lado a bolsa vermelha. Nas mãos, a blusa listada de preto e bege, cortada a partir da etiqueta até o cós. A mulher olhou para ele com olhos chorosos e disse: Não consigo vestir esta blusa!