ADEUS, DEUSA! I
Ela postou-se à minha frente, mais linda do que nunca, seu cheiro inebriante exalou numa tentativa frustrada de paralisar minha mente, e seus olhos brilhantes em interrogação denunciaram de imediato seu repentino medo, fazendo-a abraçar como por instinto, a grande bolsa contra seu peito entumecido. Por alguns instantes – o frio dos meus olhos a nada demonstrar –, fiquei a admirá-la, relembrando em poucos segundos muitos momentos felizes que juntos passamos, a sabê-los um passado distante, onde a ponte que nos unia rompeu naquela torrente de dor.
O vento frio do final da tarde cinzenta soprou-lhe a triste mensagem e ela de imediato abaixou a cabeça, a resignar-se com a situação, sabendo da dificuldade de desvencilhar-se do penoso resultado por mim, buscado. E foi justamente aí, a não enfrentar-me, a mostrar-se frágil e resoluta, a deixar-me à vontade na decisão tomada, que refreei meu pensar, a respiração aos poucos se normalizando e o bloqueio na mente se dissipando, a descontrair músculos e nervos, o olhar inquieto ainda a analisar a decisão extremada, já a ponderar, a dor interior transformando-se em pena, a enxergá-la vítima da situação.
Ela encolheu-se mais ainda, deu um passo ao lado a desobstruir o passeio a não incomodar possíveis passantes e seus dilemas, o olhar baixo ainda a dar-me o direito da decisão. E o que mais temia, aconteceu: fracassei! Diriam os justos que a decisão não foi de mau êxito, mas de sensatez. O importante de tudo é que a nova decisão já estava tomada, naqueles poucos e paralisantes minutos, ainda a formar-se por completo no subconsciente, e enquanto passeava o olhar por toda a rua lateral de casas médias e quase nenhum movimento, foi que invoquei Charles Dickens: “Cada fracasso ensina ao homem algo que precisava aprender”.
E não haveria diálogo, qualquer queixa ou exigência. Simplesmente porque o meu eu interior alertou-me a tempo sobre a lógica do direito e vi como um trauma a ser superado esse lado machista incorporado, a reverberar continuamente na sociedade conservadora da qual estava inserido. E não queria ser mais uma estatística, tampouco notícia triste de jornal. Ali, ainda a sentir o vento frio em meu rosto impassível, olhar vagueando pelas árvores frondosas daquela rua tão amada e bem conhecida, sabia que endeusá-la era mantê-la viva dentro de mim, a valer cada instante de felicidade proporcionada.
Afasto-me em passos lentos, mas a cabeça erguida. Não saio dali, derrotado. Em poucos minutos amadureci valores já incorporados, adquiridos em uma vida de estudos a evoluírem o meu pensar, onde o bom senso sempre perdurou. Por muito pouco coloquei tudo por água abaixo. A cor da derrota tornou-se incolor e dos momentos vividos ao seu lado, fixei ternas lembranças e a dor instalada, uma defesa para novos relacionamentos. Dou uma última olhada e a vejo fechar o portão e entrar, cabisbaixa, pensamentos aos turbilhões. E ao dobrar a esquina, encerro mais um capítulo de minha vida, deixando intacto para filhos futuros, valores tão caros aos nossos contemporâneos.