Ausência

Sentia que ninguém mais o notava. Era uma presença vã no mundo, nem sequer um estorvo se considerava. Talvez se tentasse fazer algo ilustre, diferente. Não adiantaria, não perceberiam, não dariam crédito ao que quer que fizesse. Gritar para ser percebido? Não, isso também seria inútil, ninguém se ocupa dos loucos, ninguém lhes dá crédito.

Naquela manha resolveu fazer tudo diferente. Para ir ao trabalho não colocou o austero terno, nem sapatos, nem gravata. Resolveu sair de pijama mesmo, meio amarrotado durante a noite, para ver se ao menos o notariam. Nas ruas não notou estranheza em ninguém, no ônibus também não. No trabalho sequer o cumprimentaram com o costumeiro bom dia. Começou a gritar feito louco, xingava o chefe, os colegas de trabalho, a vida, dava gargalhadas altas, e mesmo assim não o percebiam. Deveriam ao menos encaminhá-lo a um psiquiatra depois de um surto daquele, mas o desprezo foi a resposta de todos.

Ele não entendia. Como poderiam fazer isso? O que estaria acontecendo? Resolveu falar com um amigo que trabalhava no mesmo escritório: “João, posso falar contigo um instante?”. A resposta que recebeu foi um : “não tenho tempo”. Bom, ao menos sabia que existia, não o notavam por algum outro motivo que não era assim tão obvio, afinal estava trabalhado vestido com um pijama. Mas começou a notar que ninguém se falava, ninguém se dava conta das pessoas à sua volta, estavam todos tão sérios e concentrados em si mesmos!

Então percebeu que assim fora durante muito tempo, mas só naquele dia tinha percebido de maneira mais clara. Que sentido teria a vida? O que ele valia? Viver como uma máquina, trabalhando para descansar e descansando para trabalhar? Nada lhe traria o tempo perdido, e o que estava por vir não lhe parecia algo que valesse a pena. Perdeu-se de si. Saiu correndo pelos corredores do escritório e atirou-se contra a vidraça. Os estilhaços de vidro espalharam-se pelo ar e seu corpo precipitou-se do décimo andar até violentamente chocar-se contra a calçada. Os passantes o notaram, e desviavam do corpo assim como se desvia de uma pedra no caminho. Por muito tempo continuou ali. Suas roupas, pisadas e repisadas, viraram poeira, , seu corpo não mais existia, e nada dele restou para que fosse notado.