Não Chore esta Noite

Ele a amava.

Descobriu esse sentimento quando a viu chorando através das grades do portão naquela tarde de domingo. Ela voltou para dizer que não queria que ele se sentisse culpado por não tê-la convidado para entrar. Disse que entendia, ele tinha suas obrigações. Quando ele a abraçou, sentiu que tudo havia mudado.
Enquanto cruzava as ruas da cidade ele ia pensando nos seus cabelos cacheados, no seu olhar meigo, nas coisas de amor que ela lhe dissera durante dez anos. Parou numa floricultura e comprou flores do campo, as que ela mais gostava. Uma vez ela lhe enviou uma rosa vermelha pelos correios, frequentemente tinha desses arroubos. Chamava-a louca, brigava com ela, mas dentro do seu coração ele gostava de ser amado daquela maneira irreal, intensa. Tudo que ele queria era dizer que também a amava, iria beijar seus lábios e acariciar seu rosto, falar todas as coisas lindas que nunca lhe dissera. No sinal vermelho ele fechou os olhos para reviver a sensação do seu abraço. Sorriu ao se lembrar de quando a empurrou para fora de sua casa. Tinha sido há muito tempo... claro, lembrou-se, foi numa véspera de natal. Ela tinha o dom de deixá-lo furioso, ele que era sempre tão calmo e amável. Só agora ele percebia que desde a primeira vez tinha se deixado envolver, ela era diferente de qualquer pessoa que ele conhecia. O jeito que ela tinha de pedir um beijo, de envolver o seu pescoço com aqueles braços longos que pareciam não querer soltá-lo jamais, ela o sufocava com tanta paixão. Mal o conhecia quando lhe enviou uma carta perturbadora falando de visões, eternidade e amor. Foram necesários dez anos para ele perceber que a amava. A vida realmente tinha seus mistérios.

Quando ele chegou, o sol lançava seus últimos raios sobre o rosto dela. Como tinha amigos, aquela criatura louca! Todos começaram a olhar para ele e sussurrar, ele não suportava isso. Mesmo sem conhecê-lo, eles compreenderam o quanto aquele momento era especial para ela e se retiraram.
Ela ficou sozinha no centro da sala vazia. Ele se aproximou sem sentir, como se uma força invisível o empurrasse para junto dela. Como soube que ela preferia flores do campo? Acariciou suas mãos finas, de dedos longos, mãos de escritora, como ela mesma lhe dissera um dia. Como estava linda assim, vestida de branco, parecia uma noiva de olhos fechados para receber um beijo do seu amado. E ele a beijou suavemente, apertando em suas mãos as flores, as mãos dela, queria dizer que a amava, que a amava muito, mas os soluços sufocaram as palavras e ele chorou convulsivamente, com a cabeça reclinada sobre o seu peito.

Depois de dizer a ela tudo que estava guardado dentro do seu coração, ele mesmo fechou o caixão.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 07/08/2010
Reeditado em 08/06/2015
Código do texto: T2424778
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