O RESGATE DOS SONHOS

A menina, magra e de cara suja, não podia ver um gato miando manhosamente, nem um cão vadio de olhos cabisbaixos, que ficava tristonha e chorosa. Era como se visse a sua própria realidade diante de um espelho imaginário. Deixada em um lixão, dentro de um caixote forrado com um molambo, que também lhe servia de cobertor, fora encontrada por um casal de catadores, que vivia afundado na matéria mal cheirosa do seu dia a dia.

Estava com cinco anos e parecia, apesar de mirrada, ter até mais idade. Ficava horas a fio olhando ao derredor para ver se avistava alguma saída para a sua situação. O máximo que conseguia era visualizar porcos se enlameando freneticamente com o único objetivo de amenizar o calor escaldante que imperava na pequena vila sertaneja.

Era teimosa. Nunca desistia, pois aprendera, nos poucos anos de pedinte, função que se viu obrigada a assumir, que a persistência em solicitar era o tempero da comida que faltava. Esse pensamento também valia para roupas, remédios, brinquedos e outras necessidades básicas.

Um dia, com olhar perdido na direção do horizonte, avista uma velha senhora puxando por uma perna e trazendo um pequeno embrulho nos braços. Como era seu costume de abordar as pessoas que conduziam qualquer coisa que pudesse ser requisitada, encaminha-se para a anciã, já estendendo a mãozinha. Quando estão frente à frente, aquela senhora abaixa-se para recebê-la à mesma altura.

Vendo que os olhos da garotinha não despregavam do pacote abraçado, pergunta se ela gostaria de saber o que estava conduzindo. A criança trêmula de medo e ansiedade, pelo fato de perceber, de perto, o rosto desfigurado da sua interlocutora, balançou afirmativamente a cabeça.

Calmamente, a estranha criatura desenrola o objeto que até então mantinha colado ao corpo e o expõe para que a garotinha assustada pudesse apreciá-lo. Tratava-se de uma bola, aparentemente de vidro, de cor azulada, que emitia, intermitentemente, uma luz forte e incandescente.

Faz-se silêncio profundo até que a idosa portadora resolve informar que aquela bola era mágica e que qualquer um, que a fitasse atentamente, poderia visualizar imagens que mostrariam a solução para todos os problemas que vinha enfrentando.

Com as pequenas mãos estendidas, a garotinha demonstrou que gostaria de testar o poder da esfera reveladora. A velha senhora não se fez de rogada e entregou o objeto de desejo para a criaturinha ansiosa.

Um frio intenso percorreu todo o corpo da pequenina, na medida em que tocava a superfície lisa e gelada da bola. Imediatamente começou a ver uma bela casa, encravada em uma fazenda, e situada defronte a um grande cercado. Depois se viu já crescida, perfumada e bem vestida, no interior da casa.

Atônita, desviou a vista para aquela que já julgava ser uma bruxa e, para sua surpresa, não conseguiu mais vê-la. Estranho, porque há poucos instantes estava ali a sua frente. Olhou para todos os lados e nada da velhinha corcunda e manca.

Quando voltou a olhar para a bola, percebeu que estava com as mãos vazias, mas tinha a mente repleta de novos cenários, que a afastavam daquela realidade medonha em que vivia. Imaginou que seus olhares desejosos revelavam os sonhos que vinham passando pela sua cabecinha.

Compreendeu a tristeza que tomava conta de si quando via o olhar pidão de um animal faminto, além do contentamento daquele que rolava pela lama mal cheirosa, e prometeu apresentar a bola mágica da vida para todos que não conseguiam ver os próprios sonhos.