ALMAS SECAS

Almas secas

Outro dia se fez e o homem levantou de sua cama para a vida. A primeira coisa feita como todas as outras manhãs, foi olhar descabido de esperança para o céu e infelizmente estava azul como sempre. Um azul cheio de vida e não havia sinal de chuva ainda por um longo tempo.

O sol já era tórrido em pleno amanhecer e os pássaros há muito deixaram de cantar, já que não havia alegria alguma a celebrar. Penando, as últimas árvores que teimavam em viver, exalavam uma visão simbolizando uma tristeza desnutrida. E já de manhãzinha as crianças daquele homem, que eram seis entre meninas e meninos, choravam de sede, fome e sofrimento.

No pasto, havia uma vaca esquelética, que se desse leite sumia, pois não havia nenhum espaço entre a couraça e os ossos para líquido algum. Não podia comer terra, único que tinha para ser alimento, e se pudesse comer também certamente o animal não conseguiria, já que tão ressecada estava a terra, que nem minhoca e nem nada conseguia penetrar.

E os meninos não cessavam seus choros ao longo dos dias. Água que tomavam era de cinco em cinco dias, ainda porque o governo mandava um caminhão abastecê-los. Uma água sem vida e sem condições nenhuma . Tudo era sem vida por ali, salvo o azul do céu.

Após assistir, com uma habitual, costumeira e insensível dor no coração, aos filhos vorazmente atacar o fubá com água e sal que de vez em quando consegui em algum lugar, o homem pensou oque faria naquele dia até o sol se pôr. Pensou, como ontem, como anteontem, como todos dias de sempre, o porquê de estar vivendo uma vida daquelas. Valeria apenas só respirar naquela terra esquisita? Por que Deus não lhe mandava chuva. Haveria certamente um Deus? O homem tentava buscar alguma resposta, mas seu estômago não permitia a mente trabalhar, já que calorias seu organismo desconhecera o que há muito!

O home algum dia ouviu dizer que nesse mundo, todos têm uma cruz para carregar, diziam que essa era a chave do céu. Conformava-se com a situação, já que era vítima daquela situação. Os filhos choravam de fome, e às vezes o homem saía atrás de alguns alimentos. Não esperava cair do céu, já que nem chuva caía mais. Às vezesencontrava alguma serpente, o único animal que podia haver naquela mórbida aridez.

O fubá acabara há dias, e nada mais tinham. A mulher premiada com um feto de quatro meses na barriga, dizia para os filhos, que seu pai lutava muito por eles e para terem esperança, mas as crianças não entendiam o significado das palavras da mãe, e ficavam, as seis crianças, amontoadas na cama em deprimente resmungo. A seca era tanta, que nem lágrimas brotava mais dos olhos daquelas pessoas.

E, áspero, o tempo ia passando. As manhãs vinham, as tardes iam, e nada de novidade. Pior que a cada dia a funebridade era maior.

O homem, já com sua fraqueza ao extremo, só botava o olho amarelo e afundado pelas frestas das paredes e, nenhuma nuvem. Só enxergava o sol alaranjado em meio a um azul exemplar. Então voltava a cabeça para o lado, e ficava somente a respirar.

Dias depois, pesquisadores de alguma universidade que passava por aquela região, avistaram aquele casebre desfigurado na beira da estrada, numa natureza expressamente mórbida. Desceram do jipe e entraram vagarosamente na pequena casa. Andaram pelo cômodo apertado que certamente seria a cozinha, pois havia um fogão à lenha, e duas panelas pretas em cima. Havia também uma caneca de plástico caída no chão de terra. Adentraram num cômodo que provavelmente seria a sala, havia tábuas em cima de tijolos servindo de bancos. Entraram por uma porta e foram ao quarto e, em cima do colchão, eles viram o homem, a mulher, e os filhos todos abraçados, dormindo um sono eternamente. Estavam todos já em estado de pré-decomposição.

Aquela já era a quinta família que os estudiosos encontraram naquela região em igual situação.

Antonio Fabiano Pereira
Enviado por Antonio Fabiano Pereira em 03/08/2010
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