Poliana

Poliana

Em instante o belo pode se tornar horrível. Há fatos exteriores que estão fora de nosso domínio palpável. Os acontecimentos se transformam numa dinâmica irreal e intendível. A vida a cada dia se transforma, numa graduação contra ou a favor, disforme, cheia de ambiguidades contraditórias. Nada é padrão, tudo é subjetivo, tudo é interpretação nesse mundo.

Essas indagações e as más impressões que vejo em minha existência fazem da minha vida infrutífera. Existem uma horrenda dor e um grande sofrimento em meu espírito. Sei que não deveria expor-lhes esta narração, que está mais para lamentos, e que acreditarão ser frutos de uma visão doentia e de uma alma louca.

Acredito que ao passar-lhes um pouco de minha dor, e ao compartilharem comigo, minha tristeza se amenizará e minha vida ganhará um pouco de cor nesses últimos ares de vida que me restam a respirar.

Gostaria de não ser essa criatura odiosa quem sou.

Suicidar-me não adiantaria, pois sei que aonde eu for após essa vida, esses infortúnios e muitos outros infinitos me acompanharão. Nasci em meio à alegria, mas desde de cedo não a desfrutei. Não por não poder, mas por não conseguir. Conheci cedo o amor. Um amor incondicional, purp. Era uma garota bela, era em minha adolescência. Desde aquele tempo passei a viver apenas por esse amor. Era a mais bela que se podia notar acordado. Era a deusa mais linda de todos os tempos. Era tão linda e tão mágica, que era o marco que dividia a humanidade da divindade. Não a descreverei-lhes, pois não há em nossa língua palavras que poderiam formar significado capazes de expressar resquícios daquela beleza. Ela nunca me dera uma ponta de atenção, nunca me dirigira um olhar, muito menos valor e nem de carinho. O amor que em mim reinava era o que me mantinha respirando e que me fazia ter forças para acordar todas as manhãs, pois acreditava que o dia seguinte poderia ser diferente de todos os dias já vividos.

O acontecimento final que aprofundou a dor da minha fúnebre existência, aconteceu quando veio a meu conhecimento a notícia que esfacelou a irrisória beleza que podia haver na vida. Notícia esta que me fez penetrar em eterna atmosfera mórbida. Soube que toda a beleza, que sempre Poliana fora aureolada, toda a doçura que sempre de si se emanava, iria se extinguir por conta de uma terrível doença. Desde quando soube que Poliana deixaria de ser a garota mais bela e serena de todas, é que sinto com muito pesar uma dor que definha dia após dia a minha alma.

Hoje ela é o oposto da beldade que um dia fora. Uma macabridade agonizante pôs um fim a todo gracejo que uma nobre dama transmitia. Uma doença, uma maligna doença arrancou a divindade e a bem-aventurança que continha o olhar de Poliana, e que em lugar da beldade, depositara um extraordinário terror. E seu corpo, antes sílfide e excelso, se transformou na mais horrível das formas e a mais venérea das visões.

O leito melancólico em que hoje Poliana definha seu infortunado ser, fora um dia o leito de rosas, o leito prazeroso que lhe propiciara o mais sublimes dos descansos após os encontros das festas e bailes da sociedade. O mesmo leito em que agora Poliana agoniza, foi o mesmo onde se lembrava sorridente das noite de gala que vivera. Esse mesmo leito que lhe proporcionava os mais límpidos sonhos com os rapazes belos que a desejava, e onde lhe era oportunizada as mais belas lembranças de seus amores e prazeres vividos.

O fúnebre quarto em que está esperando a morte agora, é o mesmo onde ela, cheia de vida e de beleza, recuperava as suas energias após as solenidades sociais, para ser alvejada no outro dia pelos rapazes mais cultos e nobres da sociedade.

Quando desfilava pelos jardins da cidade ou pelos salões da sociedade, notavam-na como a borboleta pousadora de flor em flor, repleta de alegria e despreocupação.

Hoje, está só. Causa medo olhar o que lhe fizeram. A tristeza em seu mórbido olhar e a palidez de sua pele cadavérica mostra o quanto é maligna a dor que sente. Seus lábios, que já foram os mais doces e desejados estão escuro e sem vida, e das rachaduras brotam sangue, e até eu, com o infinito amor que sinto, sentimento que propiciou-me a viver até aqui, relutaria em beijá-los. Eu sei que não devo descrever seu estado de terror, como não o fiz à beleza, mas a morte é Poliana em pessoa.

O objetivo desse relato, é explicitar-lhes que ainda a amo como dantes, e mesmo que ela nunca tenha me olhado ou me amado, sinto que devo fazê-la feliz nesses últimos dias de vida que lhe restam. Sei que meu desejo carnal a ela é muito grande, e não me contentaria e não seria feliz em meu existir, se eu não a amasse, como o desejei todo tempo da minha vida. Os olhos delas ainda conservam resquícios da luz que um dia me enfeitiçara. E vivendo neste não viver a qual me encontro, gostaria de expor toda minha angústia nesta encruzilhada em que padeço. Se devo ser feliz e fazê-la feliz, já que a amo, ou simplesmente virar as costas para uma criatura divina e viver meus dias arrependido pelo resto de vida que Deus haverá de me permitir.

Talvez devesse eu morrer junto com Poliana. Assim que ela se for para o outro mundo, devo partir também juntamente com minha amada. Poderíamos viver a eternidade no céu, e o amor que o destino não permitiu eu provar neste ingrato mundo, vivesse com toda a força onde quer que fôssemos.

Os segundos de vida que sucederão o fechamento destas linhas serão a decisão do meu viver. Com isto, explico-lhes, que o que sinto é uma perfeita melancolia pelo existir, e este amor que sinto, que sempre me fez viver, talvez me fará também morrer.

Antonio Fabiano Pereira
Enviado por Antonio Fabiano Pereira em 03/08/2010
Código do texto: T2415487