SONHO, REALIDADE OU LOUCURA?

Pedro era um jovem ambicioso, persistente e batalhador, tinha inúmeros sonhos, mas o principal deles era ser um escritor reconhecido. Desde cedo lera Dostoievski, Kafka, Goethe, Stendhal, Machado de Assis, Érico Veríssimo e outros. Como se dedicara ao aprofundamento da leitura e a pequenos ensaios românticos tornou-se um jovem introvertido e tinha pouquíssimos amigos. Passara grande parte de sua vida em seu quarto, enquanto seus poucos amigos e parentes saiam para festas, ele ficava enclausurado. Escrevia muito, mas era extremamente perfeccionista, jogara fora inúmeras novelas e contos, queria mesmo escrever uma grande obra, obra que seria lembrada por muitos anos.

Ainda jovem foi para a capital estudar letras, entrou no curso de letras-francês. No primeiro semestre do curso Pedro foi morar em um pequeno quarto de hotel. Sua obsessão em ser o melhor no curso e em escrever uma grande obra só amenizou quando ele conhecera Amanda: uma linda morena de olhos castanhos, pele cor de cuia, mais ou menos 1:72cm de altura, cabelos longos e negros, dona de um sorriso inebriante e de um olhar encantador. Pedro apaixonou-se à primeira vista pela bela menina.

Depois que Pedro conheceu Amanda ele transformou-se em outra pessoa, ficou mais sociável, tinha muitos amigos e seus sonhos começaram a se concretizar. Graduou-se em letras e continuou uma especialização, fez algumas consideráveis traduções de obras clássicas francesas para o português e o seu principal sonho tornou-se realidade: Escrevera um grande romance: “O diário de Amanda”, este em menos de dois anos vendeu mais de dois milhões de exemplares. Nesta fase da vida Pedro considerava-se o homem mais feliz do mundo, pois concretizava seu sonho de infância e ainda era casado com a mulher mais perfeita do universo.

No dia primeiro de julho a vida de Pedro começou a mudar radicalmente, recebeu uma visita de uma velha amiga chamada Alice que residia no interior do estado. Ela fez tal visita com um propósito firme: convencer Pedro de que ele estava gravemente doente. Pedro deu de ombros dizendo que nunca estivera tão bem. Porém, Alice com seu jeito meigo e amiga leal convenceu Pedro a fazer alguns exames. O médico que acompanhou o caso chamava-se Rodrigo, um antigo colega do ensino fundamental de Pedro e Alice. Dr. Rodrigo após ter uma longa conversa com Pedro e depois com Alice e analisado cuidadosamente os resultados dos exames, chamou Pedro para uma nova conversa. Delicadamente e com um ar de compaixão do antigo colega, Dr. Rodrigo expôs a situação preocupante, pois Pedro sofria de esquizofrenia, ou seja, o grande sonho, a obsessão de Pedro em ser escritor juntamente com sua doença em latência, levou-o a um estado patológico preocupante. Na verdade, Pedro não chegou a terminar o segundo semestre do curso de letras, ele deixou de participar das aulas e enclausurou-se em seu quartinho de hotel. Ali ele vivia em um universo paralelo. Naquele cubículo ele até escrevera alguns contos e ensaios, até mesmo encontraram-se algumas traduções desconexas do francês para o português, mas não havia nenhum escrito significativo. Viveu mais de dois anos trancado naquele recinto, uma vez que outra saía para caminhar, ligava para a casa de seus pais e para Alice, sua leal amiga. Em suas ligações telefônicas ou mesmo aos conhecidos que encontrava na rua partilhava de seu sucesso como escritor e tradutor e ainda tecia saudosos comentários sobre sua amável esposa. Alice foi a primeira a perceber que aquilo que o amigo falava com tanto entusiasmo não coincidia com a realidade, pois nunca encontrara nas livrarias o tão famoso livro “O diário de Amanda” e averiguando as coisas mais de perto percebeu que realmente Pedro estava doente e precisava de ajuda urgente. Não fora tão difícil para o Doutor e para Alice convencê-lo de sua real situação. Com o tempo ele tomou consciência de que estava doente e precisava de ajuda médica. Com certeza o mais difícil foi aceitar a idéia de que Amanda era apenas fruto de sua imaginação, aquela linda e meiga esposa nunca existiu. Mesmo tomando fortes doses de Anatensol entre outros antipsicóticos incisivos, ele continuava vendo e falando com Amanda. No entanto, no dia 12 de outubro, Pedro decidiu ignorar Amanda para sempre, mesmo vendo-a todos os dias. Era visível para todos sua tristeza, ver Amanda e ao mesmo tempo saber que ela nunca existira o abalou profundamente, perdera por completo o brilho dos olhos, talvez por razão dos remédios também, mas, parecia mais morto do que vivo.

Talvez tivesse sido mais fácil para ele esquecer Amanda se ela realmente tivesse existido e deixado de existir, mas a questão era inversa, ela não existia na realidade, mas estava ali sempre presente, apenas o delírio era real. Todavia, ela era sua amada, a mulher perfeita que um dia apareceu em sua vida, mas ao mesmo tempo essa mesma mulher representava sua doença, seu delírio, enfim, suas limitações. O fato de Pedro ter optado pela cura cortara todos os vínculos de comunicação com ela, mas ele nunca deixara de vê-la todos os dias, jamais deixou de amá-la.

Passaram-se dois anos de tratamento e Pedro decidiu voltar a estudar, um sorriso tomou conta de seu ser quando publicou um simples e real escrito, tratava-se de uma crônica sobre o amor. Pedro concluiu que sonho, realidade e loucura andam de mãos dadas. Como já dizia o velho Foucault: Existe uma sutil diferença entre sanidade e loucura.

Eleandro Carlos Rossatto
Enviado por Eleandro Carlos Rossatto em 13/09/2006
Reeditado em 09/12/2008
Código do texto: T239712