Travesti
No meio do trabalho, alguma paixão. No meio da vida, ele bate. Como aqueles tamancos na areia, em cima do pó. Debaixo dos pés. A areia, alguns grãos em atrito. Atroz. A vida nos becos e em cada um deles, transeuntes. Como ela, que era também. Como a poesia que era o sexo por dinheiro. E o dinheiro não trazia luxo nem felicidade, mas ele que era ela e que olhava o céu em dias de chuva e não saia, e se dava uma folga. A luxúria permanecia; era sua vida; era seu sustento e, acima de tudo, era o seu alento. O alento que era consolo e se tornava felicidade. Era o sal e era o sol no deserto. Ermo, eólico e exaurido. Nela, não havia lágrima alguma, porque não havia chuva. Ela não desperdiçava nada. No meio do nada. Não havia chuva e não havia desperdício. Mas os clientes... estes eram abundantes, mais que a própria seca. Na imensidão das dunas, algumas poucas moedas. O vento molda o deserto, molda todas as vidas e o vento vivificava e não determinava nada. A vontade de viver vencia a destruição. E o que mais destruía era a erva. A vegetação. Rasteira. Que passava em muitas pernas queimadas; que se tornavam os ossos que assombravam nas noites frias. Eternamente geladas. Golpeadas pelo vicio. Esse vício que é a vida e que ela fuma. Ela fuma, ela bebe e ela se banha. Ele é tão mulher. Ela é tão capaz. E são um só. Ela está mais dentro de si, viajando pelas ruas que, para si, aparentam suas artérias; toda a matéria dentro, ingerida como os talos da folha, doces como canela. Mortal. E ele era de fora, ele era para fora. Um forasteiro. Ele vomitava aquela vida, aquele vício e aquele ramo mascado que multiplicava os prazeres noturnos e a manhã azedava tudo. Porque o sol é o compromisso e a chamada da vida. Amarela como o deserto. Como o deserto e os ossos recobertos de areia. E ainda como a palha da folha perniciosa que ela fuma; a erva dos demônios. E sua boca impregna e atrai e seu hálito adocicado pela fumaça, e seduz. Ela trava os homens, todos. E o homem que reprime, que guarda na batida. O deserto sem chuva. Ao sal. Ao sol. Ao vício. Ela sonha. Mas acorda e se torna ele. E ele vive o não-viver. E a vida vai passando, passando... como a baforada da erva, e como o vento.