CONTOS SEM TITULO - Ver Obs.: ao final
SEM TITULO – parte I
Em 2010 o prédio do Ex- Clube Social dos Ferroviários já era a Igreja Universal do Reino de Deus, todo remodelado, tinham aposto mais alas, casas vizinhas e um galpão que pertencia aos Biscoitos Manguaba, também foram anexados e desfigurados para dar lugar a um Prédio imponente. Eu não acompanhei as modificações, há anos que eu não morava mais no Bairro do Prado, desde meu segundo casamento que andei minha Cidade toda, sempre nas periferias e sempre em moradias modelos inicialmente Apartamentos da Cohab Alagoas, depois casas da Caixa econômica em novos conjuntos que se abriram, um chamava-se Colina dos Eucaliptos justamente por não haver mais Eucaliptos algum naquela que foi a mata mais linda com uma linda visão da lagoa Mundaú, Depois Conjuntos residenciais cada vez mais distantes do Centro da Cidade. O Bairro do Prado era quase o Centro agora, cerca de 50 anos depois, O Prado estava desfigurado. Mas acompanhei parte desta desconfiguração diante do Clube de minha adolescência.
1966
Quando a turma se juntou já era tarde da noite, na esquina da Rua 21 de abril com a Siqueira Campos, todos fumavam o Negrito, cigarro da moda, parecia um charutinho fino, nas mãos uma garrafa de Conhaque Dhreer que continha ao contrário do rótulo, Rum Bacardí e coca cola, todos pareciam estar com o mesmo perfume: Lancaster, a garrafa era passada de mão em mão e todos tomavam seu gole para esquentar, ao longe já vinha o som da música de Celi Campelo e a Lua no céu confirmava com seu luar, a letra da música, um banho de luz no calçamento da Siqueira Campos. Lá longe no meio da Rua 21 de abril, esburacada e cheia de poças da chuva recente, as meninas riam e falavam altos e com alguns gritinhos típicos daquela juventude, parecia uma reunião de pássaros. Todas esperando as últimas colegas em suas casas que se aprontavam para a festa no Ferroviário. Havia emoção no ar, um perfume diferente, os rapazes de camisas quadriculadas, golas em pé, cabelos abrilhantinados, penteados para trás deixando uma madeixa pendurada na testa, todos os tipos de cabelos tinham praticamente a mesma formação, mesmo os chamados Pixains que imitava grotescamente o a lá Elvis. Chegando as meninas a turma se pôs a caminho, a turma das meninas na frente e nós atrás, só houve boas noites e muitas risadas, nenhum plano, nenhum abraço, nenhum beijo. Na entrada estava Gerson, policial em pré aposentadoria, que nas horas vagas era porteiro do ferrinho e do Cine Colonial, conhecia todos nós e seu Filho Valter o bonitão da turma estava entre nós. O Salão não era tão grande assim, estava enfeitado com bandeirolas, no canto esquerdo o Jonas já tinha montado um Bar, várias mesas de metal vermelhas desmontáveis com suas respectivas cadeiras estavam arrumadas fazendo um círculo em volta do salão central em grupos de três conjuntos, algumas já estavam em plena atividade, Litros de Ron Bacardi e Montila, Coca Colas cujas garrafinhas se multiplicavam molhadas recém saídas do tonel de gelo de Jonas, no palco a Direita de quem entrava estava um microfone de pé solitário e ao fundo uma “Radiola” potente emitia o som de uma música nova e suingada (depois vim a saber que era um tal de Jorge Bem), a Radiola velha conhecida uma Phillips de móvel pertencente ao Pai do Demir, uma profusão de LPs e Compactos fora da capa se juntava a baderna de capas e plásticos pelo chão junto a “Radiola do Demir” As paredes eram pintadas de azul e rosa com duas listras verdes dividindo a metade da parede nos quatros lados, em cima ao fundo do palco, letras brilhantes repintadas e carnavalesca anunciava o Baile das debutantes do ano 1966.
Gláucia era linda demais, mas muito saidinha, gostava de andar descalça um jeito imperdoável para nossa tendência de endeusamento, e Ednaldo o mais ciumento dos namorados, porém sua Irmã a Gleide era tímida, comportada, enfim apesar de não ter a beleza da irmã, era um pouco mais alta, mais cheinha de corpo, andava esticando os joelhos, um andar maravilhoso, sentava apontando o bumbum para cadeira com antecedência, quer dizer mesmo tímida era altamente sensual, falava pouco e sorria de leve com estrema timidez, chamei-a para dançar a música de Roberto Carlos, no meio do salão flutuei com seu perfume feminino, ela me contando de como as garotas de sua turma adorava meu cheiro de fumo com Lancaster, e meus Cabelos dos Beatles, inda que muita gente achasse que era coisa de Pirobo (Homossexual), imediatamente a convidei para nos encontramos novamente à praia dia seguinte, claro um domingo. O Resto da noite foi um sonho só, Claro que os pais começavam a chegar e as intimidades timidamente iniciadas foram cortadas abruptamente, nem em sua mão consegui mais tocar, mas com os olhos confirmamos o encontro e ela foi sentar-se obedientemente na mesas em que os Pais acabavam de ocupar. Antes das dez horas quase todos já tinham se ido, enquanto Adilson Ramos berrava para parar o relógio e os acordes Finais de The Jordans nos presenteava com eternos Jovens enamorados.
1974
Estávamos naquela esquina que era a “Venda” de Pedrinho, ou melhor de seus pais, novamente no lado calçado da Av Siqueira Campos, cruzamento com a rua 21 de abril, no outro lado materiais de construção e pedras de paralepípedos para a construção da segunda pista, atulhavam a frente da casa do Dr. Tibúrcio, nos pratos de ágate estavam os caranguejos devidamente cozinhados na verdura que nós pegamos durante a tarde no Trapiche da Barra, atravessando o canal da lagoa e indo a ilha em frente, e no mangue com mãos nuas buraco adentro vínhamos com os bichinhos muitas vezes pendurados em nossos dedos. Nossos troféus estavam esquartejados e muitos cascos de Patas jaziam pela calçada e esgoto daquela via, ao lado uma garrafa cheia ainda de aguardente Moça Rica Pernambucana, e outra pela metade de Serra Grande, um litro ao lado encostado na parede cotinha várias pimentas malaguetas amassadas em seu caldo, a rolha de cortiça estava quase caindo, nos pratos havia farinha,e no lado uma lata que um dia servira de embalagem para leite Ninho estava ainda quase cheia da dita farinha, uns acocorados, outros sentados no meio fio da calçada, outros em pé com um radinho de pilha ao ouvido inda escutando pela milésima vez a “garota do Baile de Roberto Carlos”, Todos completamente grogues, as Roupas novas de Natal estavam já um pouco amassadas e muitos brilhantes sapatos estavam com farinhas e gotas de líquidos amarelos /vermelhos das pimentas, Mas ESTÁVAMOS INDA ALINHADOS para a festa do Natal depois de meia Noite no Ferrinho. O Clube tocava um som alto e profissional do J. Félix Serviços de Som, Os Incríveis faziam malabarismos incríveis com seus instrumentos e arranjos e nos arrepiávamos cada vez que tocava Czardas, ou o Milionário, melhor para mim era o sax de “O homem do braço de ouro”, discutíamos as músicas dos festivais, e as músicas proibidas que adquiríamos na Eletro Discos, por exemplo comprei um “para não dizer que não falei das flores” um Compacto Disco com Vandré e tudo enfiado dentro do LP de Renato e seus Blue Caps. Todos discutiam Caetano Veloso, Chico Buarque, e eu discutia Trini Lopes e a voz mais linda do mundo de Connie France. As meninas chegavam de mine Saia e botinhas, nós de Calça Boca Sino e Botas com medalhas e salto alto. Todas nossas discussões sobre acontecimentos defasados, mas atualizados pela TV Record Canal 2 de Recife repetida para Maceió, se calaram diante de tantas coxas grossas e torneadas de várias cores e formas, olhávamos o bumbum arrebitado de cada uma fazendo uma avaliação material das nossas futuras namoradas, mas ainda olhávamos o narizinho arrebitado, os grandes e fingidos olhos negros e castanhos sérios, os ciumentos olhos verdes. Mas a menina que se destacava agora era a outrora menininha agora uma tremenda Brasa chamada Telma, filha de “seu” Tibúrcio o dentista, namorada de Pedro Luciano que era Fâ de Erasmo Carlos, Luciano não largava o desafinado violão e insistia no Gatinha Manhosa, entramos no Ferrinho com Luciano com o Violão a mão e a Telma debruçada em seu ombro, e ele a cantar Você me Acende. O Ferrinho tava modificado, as paredes tinham diversas e berrantes cores psicodélicas, as luzes desapareceram e havia um globo de cristal girando sob uma luz negra, luzes indiretas vinham do piso, das “tartarugas” ali colocadas estrategicamente ao redor das mesas. O Som de J. Félix agora era um desfile de guitarras estridentes cujo conjunto musical não consegui decifrar, só quando um cantor gritou Satisfacion eu decifrei Os Stones. O Bar agora era de Pedrinho que bebia o estoque sem cerimônias e nós aproveitávamos o conhecimento com o Dono do tesouro, toda hora lá íamos e saíamos com um copo de RON Montila com gelo e coca inda derrubando pelas bordas, outra era Campari, ou ainda Contreau, ou fogo Paulista detestávamos Wiske, mas a turma mais velha deitava e rolava, para minha imensa surpresa a única cachaça do local era a que levara, estava sendo considerada fora de moda, coisa de matuto. E as música se dançava soltos, não havia pares agarrados, era um pula-pula que se assemelhava aos macacos dos Dois Irmãos em Recife, tocaram mais músicas estrangeiras que não conhecia, cada qual mais metálica e estridente, mais gritos, só uma entendi, o cara repetia “cabeça, cabeça, cabeça”. Mesmo bêbado não consegui suportar e saí, lá fora estava uma linda gata... fumando um cigarro extra-longo e ainda por cima com uma piteira preta, tinha luvas de renda vermelha que vinha até o cotovelo, e os olhos muito escuro de rímel ou qualquer coisa parecida, mesmo assim era bonita e diferente, começamos a conversar, era morava na Pajuçara e tinha de ir para casa mais cedo, iria chamar um Táxi. TAXI!!!!!!! Coisa rara, coisa de gente da grana, solicitei um novo encontro naquela praia no dia seguinte, ela disse ser sócia do Clube Alagoinha que se eu fosse lá.... tremi na base, a garota era mesmo fina, e eu nem pensar.
2000
Eram mais de 1 hora da manhã, nós quatro estávamos realmente bêbados, o fusquinha do Wando andava mais bêbado que nós, beijando ora o meio fio direito, ora o esquerdo, todos cantávamos não me lembro a música, aliás nem sei como me lembro de alguma coisa daquela madrugada de domingo, ao dobrarmos a Rua Ceará para a Siqueira Campos, tudo se apagou, tudo ficou escuro e comecei a sonhar.
O Ferrinho não era mais o mesmo, estava todo descacado, só o som era novo e nada original, era umas batidas de sempre, ou música baiana como chamávamos, ou forró elétrico q eu nem forró era, ou um tal de Reguee, este sim regado a muito álcool, as menininhas com a bunda quase de fora rebolava feito uma doidas fugidas, mas tinha também a maconha que varava solta, até o palavreado era diferente, Nós da antiga Jovem Guarda, não entendíamos nada do que a juventude falava, e olha que também tínhamos nossas gírias à época, mas eram muito mais compreensivas, mesmo porque eram gírias humanas, não regada a drogas, este cigarro que a turma nunca pensou em fumar, era a sensação de agora. Com o advento da maconha e de outras drogas muito mais pesadas que o nosso LSD, melhor pensado não era questão de peso e sim de cultura, embora nossa turma nem saiba o que é LSD, eu andei lendo e conforme presenciei a garotada usava LSD para viajar e “se auto conhecer”, para fazer obras de arte como pinturas e músicas fenomenais, eles saíam de si e ou melhor entravam mais profundo em si, era uma aberração a explicação maluca. Mas as drogas atuais eram utilizadas só para fazer o mal e a violência pela rivalidade, se formavam turmas que se enfrentavam a base de armas de fogo, foi-se embora o romântico murro, a guerra de turmas na base da igualidade de oportunidades de defesa e ataque, agora a turma fumava, endoidava e atirava de longe e pelas costas do desafeto.
Hoje a noite, no ferrinho, nem minha roupa era adequada, eu passei, mas o pior é que o Clube era um patrimônio nosso, e estava completamente depredado, em todos os lugares e cantos havia terrível mal cheiro de urina, fezes, sexo urgente, e maconha. Tinha se acabado a rebeldia, a luta por um mundo melhor, agora era cada um por si, e todos contra todos. Pouco importava a humanidade, o País, e principalmente a família. Acabou-se o sentimento nobre de criação, idealismo, de querer mudar tudo e pensar que era para melhor, acabou-se a rebeldia com ou sem causa. Completamente despolitizados, meus jovens no Ferrinho eram também aculturados, só levavam vantagem em saber o básico de inglês mas por necessidade que propriamente por educação, como uma puta de meretrício de cais de porto. Nossos jovens assassinaram seus sentimentos internos, se lhes importava os bens materiais de grife, mas para adquiri-los sem trabalho, e o mais importante nem eles mesmos se importavam, quando a droga se avolumou, a maconha era fichinha, vieram a Cocaína e agora a descendente bem pior e mais destruidora, o Craque. Ví hoje as turmas de diferentes “nações” ou “tribos” se engalfinharem em luta mortal, um verdadeiro tiroteio com armas de diversos calibres, o povo fugia aterrorizado mas.... acostumados, tolerantes, a mim pareceram carneiros prontos para o abate. A polícia que sempre chega depois, não há prevenção e nem sei se poderia haver, aconselha a não reagir, em assaltado entregue tudo mansamente, e se puder assim também entregue a vida, não reaja, e em não reagir a população se acostuma a ser roubada, violentada, não há Autoridade com autoridade, o Deus das Igrejas deve estar viajando, e a população só tem a si mesma, e como os Judeus dos campos de concentração, vão em fila indiana, mansamente, se entregando a nossa Câmara mortuária moral, espiritual e física.
2008 –
Acordei no hospital onde permaneci em coma desde 1992, foi um acontecimento, fui para minha casa que já não era no mesmo bairro, o Espelho me mostrou um velho sessentão com muitos cabelos e ficando brancos, fisionomia “amaracujada”, um belo espécime de velho ainda não senil. Cada ruga de meu rosto tinha sua história, mas havia rugas sem história assim como no meu computador cerebral, li muito, me atualizei horrorizado.
2010.
Fui a prado matar as saudades, de cara encontro um amigão do Peito o Wado que me atualiza da lista de desaparecidos nos combates da vida, uns por alcoolismo, outros por doenças crônicas, e outros por motivos diversos, só me restavam um amigo daquela turma.... Êle. O resto não era da turma eram conhecidos da mesma época, não era desilusão, afinal é esta a vida dos velhos, muita saudade, poucos amigos para compartilhar das mesmas coisas, gostos, fantasias, tagarelar, e muita gente para não compreender nada disso. Mas neste meu tempo tinha mais, intensificou o desamor, intensificou os chamados falsos profetas, a violência e as malditas drogas, os crimes bárbaros já não eram comoventes, e os assassinos eram premiados com redução de pena e liberdade na maioria das vezes, um preso condenado a 180 anos passava dois anos na cadeia e era solto, quando não fugia, sabedores disso, eles matavam adoidados, matavam por prazer, por vingança, ódio, rejeição, praticavam todas espécie de crime e se valiam dos menores, uma brecha fácil de manipulação, menor assumia, quando ele mesmo não matava, pois ao completar 18 anos era solto, e era bem pago em dinheiro e em drogas para consumir e “se suicidar”. Mas tem outro lado, as meninas, agora Cachorras, que preferiam os criminosos e os que tinham este perfil, assediados por garotas menores e maiores, incentivados pelo amor bandido exposto em telenovelas, o a taxa de crimes contra mulher, de violência contra mulher estava medonha.
Fui então com Wado ver o Ferrinho, e lá estava o Monumento aos falsos profetas, a Igreja Universal tinha adquirido tudo, nossas lembranças, nossa juventude, nossa inocência, nosso amor a família, nossos amores, estavam sepultados embaixo do vozerio clamando pelo Diabo
De pessoas ”pegando espíritos demoníacos” de pessoas exorcizando estes espíritos com a alma rindo da ingenuidade dos fies e contabilizando mentalmente a gratificação ao ator amador pegador de espírito, ou perneta, ou “cego” curável e etc.
Alí foram, embora mais anos de minha existência moral e sentimental que todos acidentes que sofri, pedi ao Wado ajuda para voltar para casa dele, sentar num banco e respirar pela última vez o ar do Bairro do Prado.
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