Vestígios
VESTÍGIOS
O seu cigarro ainda aceso, deixado sobre o cinzeiro. Nunca mais voltaria. Saiu, bateu a porta e tudo havia acabado, afinal, mas o seu cigarro continuava a arder ali, bem à minha frente. Voltei os olhos para a porta, percebia ainda o som deixado pela batida do seu caminho, do seu desespero. Volto os olhos para o cigarro aceso à minha frente. Estou inerte, levantar-me talvez desfizesse aquela cena. Como uma autômata, pego o cigarro e lentamente o levo à boca. Toco, com os meus lábios, os vestígios dos seus. Beijo-o assim, pela última vez, aspiro o que restou de você. Sinto-me tonta, inebriada. Quero respirá-lo, levá-lo até aos meus pulmões, impregná-lo em mim, no meu corpo, na minha mente. Fico assim, até o cigarro se apagar naturalmente. Olho as cinzas e choro de alívio, de tristeza. Levanto-me da cadeira lentamente, as minhas mãos trêmulas seguram o cinzeiro, e num gesto de amor, jogo-o no lixo.