À moda de Clarice
Escrevi o título em letras garrafais. Isso mesmo: garrafais. De outra maneira, me parecia que não ia conseguir convencer a mim mesma. E, pelo visto, era isso, em primeiro lugar, o que me motivava. Das outras vezes em que me havia proposto escrever algo, eu não tinha sido demasiado forte para ir até o fim. Como se algo me puxasse os pés, antes da reta final. Agora, contava com aquele recurso: o título. Pela primeira vez, ele me aparecia tal farol, iluminando um caminho que se revelava árduo. Árduo, por quê? Vou tentar responder. Creio que me devo essa resposta. Eu deveria lidar com uma das maiores vozes literárias nacionais. Prefiro não mencionar a palavra “escritora”, pois isso implica noção de gênero. E há momentos em que gênero não é fundamental. Ou seja, trata-se de um assunto que excede o gênero, embora ele esteja presente inapelavelmente nas manifestações humanas.
Arte é arte, não importa de onde venha, ou quem a pratique. Se disser que é uma das grandes escritoras brasileiras, vou estar situando-a em um universo particular, o das mulheres. Não, não quero fazer isso. Quero vê-la como alguém que procurou dizer o indizível. Foi essa a explicação que dei ao professor, quando me perguntou qual seria o tema da minha dissertação. Ele completou: “e exprimiu o inexprimível? Ou o quase...?” Rimos ambos, ele talvez divertindo-se com o tema, ou curtindo-o, ou achando-o interessante; eu, soltando o meu risinho em que se misturava, entre outras coisas, uma ponta de preocupação, afinal eu queria tratar de um tema complicado, Clarice chega por vezes a ser hermética, e eu ali, arvorando-me a escolhê-la -- entre tanta gente que eu poderia escolher -- para ser estudada, analisada, investigada ao longo de meu trabalho de fim de curso.
A escolha do tema, além dos demais problemas que poderia me causar, me obrigava – eu sempre tivera fama de perfeccionista – a rever (isso é um eufemismo) a examinar alguns conceitos de filosofia. Como tratar de Clarice sem dominar alguns conceitos básicos nessa área? Pelo menos, foi um dos pressupostos que me assaltou, logo que pensei no assunto. Mas, assegurei a mim mesma que ele não iria derrubar a minha determinação. Dessa vez, eu estava decidida, custasse o que pudesse custar.
À noite, quando minha mãe me perguntou se, afinal, eu havia definido o tema da minha dissertação, enchi a boca para falar: ‘Vou tratar de Clarice.’ Os olhos saltaram: ‘Clarice?’ ‘Sim, a Lispector, a própria’. Ela, que já me vira mais de uma vez optar por um argumento, para depois abandoná-lo, sorriu enviesado. ‘Agora é para valer. Vou fazer um trabalho sobre Clarice.’ Enquanto me dirigia para o quarto, uma idéia brincava comigo: ‘um texto à moda de Clarice.’ Essa idéia, que havia surgido de improviso – e eu nem imaginava como pô-la em prática - essa idéia estava no cerne da minha proposta de trabalho. Dormi com ela e acordei mais decidida do que nunca.